I.
Só falta a mãe.
Mãe, e essa corrente que são os filhos
Alguns prendem sua vida, outras dão liberdade
Alguns seguem seus caminhos, outros se perdem e presa mãe fica.
Sou filha de mãe preta, mãe presa, mãe “revolta”.
Essa corrente não tem fim, depois que filhos pariu.
Sou filha de mãe preta, mãe presa, mãe força.
Essa corrente não tem fim, corrente de filhos que não pariu.
Filho que encarcera, filho que liberta.
Pra minha preta eu faço festa quero mais que ela viva nesse mundo sem pressa
Que viva sem amarras, que viva a sua liberdade.
Ama de leite, ama de casa, ama da vida alheia,
ama quem não a ama, e segue a amar
E quem ama a mãe preta?
II.
Pele, sangue, suor, religião…
A pele é negra, o sangue vermelho que marca a dor pelo corte da chibatada, o suor que escorre revela a luta por vida e igualdade de raças, religião de matrizes africanas que nos dão acalanto, força, fé… Mulher, mulher negra de cabelos escuros e enrolados, de habilidades além da cozinha, além do corpo curvilíneo e vasto para o “taro” do “Sinhô”. Todas eram oprimidas, todas as minhas habilidades eram descontextualizadas. Trouxe meus orixás, trouxe minha cultura, trouxe meu amor, e o sinhô e a sinhá, deram um jeito de se apropriar. Até do meu ódio, da minha dor, da minha ira eles deram um jeito de tomar conta.
Diziam eles: – é coisa ruim, essa preta não presta, esse preto não presta, ficam cantarolando essas coisas que ninguém entende. Ficam batucando até altas horas, até o sol raiar, não me deixam em paz.
Pois é, apropriaram-se! Mas eles que não entendem ou se fazem de desentendidos?! Eu tinha minha terra, eu tinha minha coroa, tinha minha vida, minha família, eu não posso deixar minha ancestralidade morrer. Meus orixás precisam resistir, eles me dão força pra lutar, aguentar tanto sofrimento, vencer: oro ri maió Iya Abadô aie ei o… Cá nessa terra meus reis e rainhas chegaram, antes mesmo de sentirem a terra nos pés – os corpos jogados ao mar já mostravam que a realidade nessa rica terra seria o berço da desigualdade. Daí tem música que diz: “nessa cidade todo mundo é d’oxum, homem, menino, menina mulher”. Mas será que é mesmo, será que somos todos d’oxum? Oxum, deusa da água doce, deusa negra, deusa da mitologia africana… Palavras vem e vão, elas sangram. Gestos, atos, ações marcavam, marcam vidas, matam. EU SOU D’OXUM!
III.
Minha pele
Minha pele é negra
Meu sangue rubro, não, vermelho!
Minha sombra é negra
Meu sorriso é puro
Minha semente é negra
meu fruto é mais um corpo de escravidão
Minha mãe é negra
ela é “instrumento” de toda essa beleza em servidão
Minha vida é negra desde de África,
nos navios negreiros, tumbeiros, nas vertentes sangrentas
Minha pele é negra
no couro do chicote, na casa grande do senhor
Minha pele é negra
ela é a pele que ficou com a marca do desamor
Minha pele é negra
E dela tenho orgulho,
por ela vejo o mundo, por ela transbordo suor e amor
Minha pele é negra,
é negra antes do meu corpo escravizado ser
Minha pele é negra
pele de reis e rainhas, pele de jóias raras
Minha pele é negra
pele banhada pelo Rio Nilo, pele do Egito, berço da humanidade.
Sim, minha pele é negra,
pele escura, de luta e de marcas
Pele de batalhas, derrotas, vitórias
Minha pele é NEGRA
Pele de sangue e lágrimas entre cordas
Pele de sonhos, realidades e resistência
Minha pele linda é negra.
IV.
Perdi a vergonha
Temia pelo meu corpo
Tremia com o olhar dos outros
Eu e minhas nem tão perfeitas curvas.
Em forma de sussurros ouvi:
Seu corpo, suas regras
Suas curvas, seu mundo
Passei a gritar todos os sussurros…
Minha boca grande
Meu corpo belo
Meus olhos libertos de sua opressão
Minha cabeça pensa, meu corpo agradece.
E sim, eu tenho as mais lindas curvas.
Tire seu “moralismo” de minhas curvas.
V.
CorAmor
Já não consigo falar de amor
Já não consigo escrever amor
Já não consigo sentir amor
Por quem de mim o amor tirou
Não são todos os corpos que recebem amor
Deram cor ao amor – o amor tem cor
Amai-vos os pretxs
Pretxs também são amor
VI.
Encontrei
Desencontrei
Encontrei de novo
Por fim achei minha negritude
Ela estava tampada dessa tal branquitude
Meus traços, um brinde a minha aceitação
Minha nem tão escura pele
Mas muito escura pele
Iluminou-se entre tanta farsa, tanta hipocrisia
Sabe aquele cabelo carapinha que vocês impuseram a chapinha?
Que gritavam feio?
Eis o mais belo Black Power
Sabe os lábios carnudos,
que teimam em chamar de beiço da forma mais pejorativa?
Eis a mais bela boca, e no meus lábios um beijo de outrx pretx cabe
Sabe o nariz que teimam em chamar de batata?
Eis ele, que sente essa branquitude azeda chegando com o seu racismo
Logo os meus traços unidos se munem de palavras, de minha história e os mandam embora.
Salve!
Aqui tem mais uma salva,
Negra salva!