Em pleno século XXI em Teresina, Piauí, ainda é raro encontrar mulheres negras que se reconhecem como tal, atuando como professoras em sala de aula. Vale ressaltar que em nossa cidade existem mulheres negras atuando como professoras, no entanto, essas mulheres ainda não tem consciência de sua identidade racial e quando tem, na maioria das vezes, continuam alisando seus cabelos.
Pude notar em uma de minhas aulas em uma escola pública que um garoto olhava insistentemente para meu cabelo e fazia sinal que ele estava desalinhado. O seu olhar começou a me incomodar e foi então que ao passar as mãos por meus cabelos percebi que estava tudo em ordem. Talvez não a ordem a qual ele estava acostumado a ver seus professores, pois eu tinha um coque preso e o cabelo crespo.
Foi então que o perguntei se ele tinha visto algo no meu cabelo que o incomodasse, pois não parava de fazer gestos em sua cabeça e me olhar. O aluno me respondeu que meu cabelo não estava “arrumadinho” como ele estava acostumado a ver nos penteados das outras professoras. Acabei então puxando uma discussão em sala sobre cabelo e identidade, foi aí que me dei conta que só havia uma menina na sala que não alisava ou usava química no cabelo. Perguntei as alunas e alunos o que achavam do meu cabelo e eles me responderam: “massa”, “doidão”, “estiloso”; outros responderam: diferente, não sei o que dizer, eu não usaria assim etc. Perguntei a eles quantos professores eles tinham que usavam o cabelo crespo e eles responderam que nenhum. Foi aí que me dei conta do papel que eu poderia desempenhar intervindo na mentalidade destes alunos e alunas e na formação de seus pensamentos.
Nos livros didáticos da língua portuguesa ainda não está vigorando a lei 10.639 e 11.645. O único poema que ainda fala sobre os negros, é “Escravos” de Castro Alves. Isto me inspirou a criar um projeto de uma oficina que discutisse a Literatura Afro Brasileira e as contribuições dos povos africanos na Língua Portuguesa, complementando com atividades de produção textual que tragam a temática da história e cultura negra em meu estágio. O projeto foi aceito e as aulas começarão próxima semana.
Além de professora em formação, ministro aulas em idiomas estrangeiros em uma escola privada de idiomas e apesar de ser a única professora negra a assumir o cabelo crespo, não enfrento problemas quando uso o cabelo Black Power ou tranças no meu local de trabalho. Entretanto, na escola pública a mentalidade dos alunos ainda precisa ser muito trabalhada em relação à negritude e principalmente o respeito as diferenças quanta a raça, cor e opção sexual. Na universidade estou em fase de conclusão do meu curso em Letras Português/Francês e faço parte de um projeto de pesquisa que tem como foco a literatura afro americana e brasileira.
Muitas vezes fui questionada por meus colegas porque eu não pesquisava lingüística, já que falo alemão, francês e inglês, além do português. É muito triste que minhas pesquisas na área de literatura negra não sejam valorizadas por meus pares. Pesquiso em um grupo de estudos desde que entrei na universidade e esta pesquisa me fez assumir mais ainda minha negritude e poder conhecer as teorias que poderiam me embasar quando precisasse me defender ou argumentar contra o racismo, sexismo e preconceito.
Uma vez me perguntaram se eu pesquisava literatura de “nêgo” porque eu sou negra e sendo assim não poderia pesquisar ou me interessar por outra coisa. Chegaram a me questionar se eu e meus colegas éramos todos “problemático”s e por isso estávamos pesquisando esta literatura. Fico muito triste com estes comentários. É evidente que eu respondo, que eu argumento e que eu revido através da fala, porém isso não quer dizer que eles e elas de fato me compreendam.
Na universidade ainda não estão inseridas as literaturas afro brasileiras no currículo de literatura. Os meus colegas que direcionam este tipo de perguntas serão os futuros formadores dos estudantes de escolas públicas e privadas. Serão eles que ensinarão Língua Portuguesa e Literatura para estes alunos. Será que estes graduandos que não tiveram em sua formação o acesso ao conhecimento das literaturas afro brasileiras e das contribuições dos povos africanos na língua portuguesa repassarão seus próprios preconceitos para seus alunos?
No meu curso há somente dois professores negros. Um de língua francesa e o outro de literatura francesa. Agradeço imensamente ao de literatura francesa, que por sinal é meu orientador, por sua dedicação e orientação. Vejo o enorme esforço que este professor faz em tentar abrir a mente destes alunos e alunas através das literaturas francesas, ao discutir as literaturas caribenhas de expressão francesa, bem como textos franceses que abordam temas como racismo e machismo buscando abrir os olhos destas pessoas para o sistema em que estão inseridos. Infelizmente, seu esforço é pouco reconhecido e muitas vezes incompreendido e até desrespeitado.
Infelizmente ainda não tenho nenhuma professora negra em meu curso. Eu pretendo ser uma professora universitária. Sou negra, sei que se meu orientador enfrenta os desafios que aqui citei, eu terei mais desafios ainda, por ser mulher e negra e querer estar em um lugar onde desde os primórdios e até os dias atuais ainda imperam a supremacia branca e machista. Mas isso não me intimida, nem as minhas amigas e companheiras de luta: universitárias e integrantes do grupo Teseu, o Labirinto e seu nome. Somos apenas sementes, mas podemos germinar, crescer, ocupar espaços e agregar cada vez mais companheiras(os) negras(os) à nossa luta. Para isso é preciso que comecemos desde o ensino básico até o superior, conscientizando nossas meninas e meninos da questão racial, ensinando-as (os) a se valorizar e mostrando através da nossa história, cultura e literatura que somos um povo vencedor e temos a mesma capacidade humana de conquistarmos nosso espaço neste mundo onde ainda impera a supremacia branca.
Imagem destacada: Luciana Polonen, professora baiana que ensina na Finlândia desde 2008. Fonte. G1