Primeiro dia na sala de aula: os olhos grudados na professora, prestando atenção a todos seus gestos, todas as suas palavras, buscando sua aceitação. É assim que muitos de nós nos sentimos no primeiro dia de aula, esperamos ansiosamente por esse momento e estamos preocupados, mesmo tão pequenos, com o que o futuro nos reserva nessa nova etapa de nossa vida. Nos perguntamos quem serão nossos melhores amigos, quem vai sentar sempre ao nosso lado, quais as brincadeiras que aprenderemos, quando será o horário do lanche etc.
O início dessa etapa na vida de muitas de nós, mulheres negras, tem suas particularidades e pode ser extremamente marcante, interferindo na formação de nossa personalidade e no nível de autoconfiança que temos na adolescência e na idade adulta. O ambiente escolar pode ser tanto um espaço de acolhimento da diversidade quanto um espaço de opressão que reproduz preconceitos e a manutenção da desigualdade social.
A educação das crianças negras perpassa necessariamente por questões de identidade e autoestima, visto que em nossa sociedade o padrão do belo e aceitável está relacionado ao branco e temos um currículo escolar voltado para uma visão eurocentrada do mundo que desconsidera a contribuição dos povos africanos para a formação da nação, retratando-o apenas como mão de obra escrava. Sendo assim, geralmente as crianças negras não se veem representadas positivamente no contexto escolar e isso tem consequências na formação de sua autoestima e identidade.
Na realidade escolar, é muito comum observar crianças negras inseguras, com dificuldades para tomar iniciativas, dificuldades de autoaceitação. Muitas vezes a experiência escolar é marcada por preconceito, exclusão, comentários vexatórios vindos de colegas de classe e até mesmo descaso de professores que acreditam no mito da democracia racial e que vivemos harmoniosamente independentemente da questão racial, desconsiderando em sua prática a questão étnico-racial e fechando os olhos para questões de preconceito e discriminação.
Sendo assim, percebemos a necessidade de adequar as propostas curriculares para que elas sejam de fato inclusivas e contribuam para que todas as crianças se sintam acolhidas nas escolas e tenham todos os seus direitos assegurados. Atualmente podemos observar mudanças nesse sentido. Criou-se uma lei, 10.639, que torna obrigatório o ensino de história e cultura africanas e afro-brasileiras. Dessa forma, procura-se criar uma representação positiva e valorizar a contribuição dos povos africanos na formação de nossa identidade.
A questão da representatividade positiva é extremamente importante na formação de nossas crianças negras. Quando elas vêm apenas pessoas brancas sendo as personagens principais em todas as estórias e histórias, enquanto os negros estão sempre ocupando o pano de fundo, elas desenvolvem um complexo de rejeição que afeta fortemente sua autoestima. Já quando são expostas a diferentes narrativas, em que a população negra é valorizada, sua cultura é exaltada, essas crianças tendem a desenvolver uma autoimagem positiva.
O processo de formação e desenvolvimento de crianças negras precisa levar em conta suas necessidades e especificidades. Quando desconsidera a diversidade, a escola reforça o preconceito e a ideologia de supremacia racial, mas quando insere todas as crianças em um contexto em que se sentem acolhidas, valorizadas, rompendo com estereótipos e visões de mundo eurocentradas, ela não só cria as condições adequadas para a aprendizagem, como contribui para que as crianças aceitem o diferente e aceitem a si mesmas em suas singularidades.