São 10 anos escrevendo sobre racismo e suas implicações. E todos os anos, nos meses que antecedem o novembro, nos deparamos sistematicamente com denúncias das mais inacreditáveis. Mas o sistema de subordinação mais adaptável do mundo não cansa de surpreender.
E nas primeiras semanas de outubro de 2022, nós assistimos e sentimos dois casos explícitos de racismo cometidos contra dois homens negros, artistas. Seu Jorge e Eddy Júnior precisaram lidar com a empáfia racista de pessoas brancas sádicas, que têm prazer em humilhar.
Nos dois casos, a reação dos homens que – de maneira estratégica, contundente e responsiva – revidaram na medida, chamando atenção para o fato de que há na sociedade brasileira um novíssimo modo perverso contido na discriminação racial: o orgulho expresso da manifestação discriminatória. Sim! Ouvimos Dr.ª Sueli Carneiro dizer no Podcast Mano a Mano, que o mito da democracia racial definitivamente foi superado – graças, é claro, aos empreendimentos dos movimentos de mulheres e homens negros em constante luta. Essa derrocada está posta quando percebemos que os racistas escrotos não mais escondem sua satisfação e sadismo ao reivindicar espaços, vaiar, humilhar e discriminar. Há, inclusive, um certo orgulho branco, uma vaidade azeda, seja ela explícita ou implícita, mas sempre ali presente a serviço do escárnio das pessoas negras.
O que nos traz a reflexão sobre o que e há de se fazer diante do que está posto?
Importante salientar que esse novo modo sem desfaçatez também emerge num contexto onde um governo protofascista como o do atual presidente aquece, fazendo borbulhar, o caldo mais nojento das piores opressões; o bolsonarismo – fruto podre do governo Bolsonaro – trouxe à tona o ódio a pessoas sexodissidentes, às mulheres, aos pobres e a todo tipo de maioria socialmente divergente. Isto posto, não há mais vergonha, pelo contrário, é necessário gritar aos quatro ventos a sua discriminação! É preciso berrar frente a celulares, câmeras de condomínios e diante de uma plateia inteira o seu ódio e repugnância aos corpos negros.
O lugar da violência designado pelo sistema antinegro que experimentamos deixa de ser cinicamente disfarçado e faz com que, de maneira recorrente, tenhamos que nos deparar com situações escancaradas de discriminação. E aí, andar constantemente com a guarda (física e psíquica) levantada significa viver de maneira a estar pronto para responder rapidamente ao racismo. Mas qual a melhor resposta?
Quem não se perguntou ou se respondeu: “Se eu fosse o Eddy Júnior eu faria …” ou ainda “O que eu faria se eu fosse Seu Jorge?”. Qual é o melhor discurso-ação contra a violência racial?
Fanon diria que a contra violência colonial é a resposta. Luiz Gama (1830-1882), nosso advogado, disse: “O escravo que mata seu senhor, o faz em legítima defesa”. E se nós reagíssemos ao sadismo racial – que, diga-se de passagem, é crime – com o argumento de legítima defesa? Um soco na branca que impede de subir o elevador (direito de ir e vir) pode abrir um precedente legal para tal? Basta saber quem será o primeiro juiz a fazê-lo!
O que sabemos é que a raiva, tal qual nos ensino Audre Lorde, precisa ser transformada em linguagem e ação. ela é o combustível que nos faz carregar sinalizadores, livros e línguas afiadas.
Alimentemos nossa raiva, transformando nossa dor em criação: o que parece ser uma expertise negra e que, como lembra Afrocidade os preto sorrindo, colonizador chora. Nos olhos de Eddy, enquanto filmava, dava pra perceber o riso raivoso; Seu Jorge sorriu elegantemente elogiando o Estado Farroupilha.
Quando a gente ri na cara do inimigo, a nossa raiva cresce neles! E como em todo processo de transformação, Exú se faz presente para que possamos ver o caminho a se fazer. O caminho é a organização da raiva.
O trabalho coletivo constante; O apoio na manifestação; O fogo queimando os pneus nas ruas e a destruição simbolizada por este: do sexismo, do racismo e de todas as formas de discriminação.
Vem aí mais um novembro. Mais dias para lembrar Palmares!
Nossa chama NUNCA se apagará.