Ponto alto em nosso corpo, o cabelo representa muito. Ele tem conexão direta com o divino e foi assim, interrompendo inúmeras conexões, que na usurpação, de nome escravidão, os africanos tiveram dignidade e alma, dilaceradas. Açoitados em todos os sentidos. Ultrajados! O cabelo, para diversas etnias africanas, simbolizavam, determinavam e expressavam, uma grandiosidade de coisas. Havia um grande zelo e cuidado para com os mesmos. Havia uma proteção aos cabelos. Cabelos que também os protegiam, os direcionavam, que em muitos casos, os posicionavam em suas sociedades. Ao invadir territórios alheios para usurpar, dignidades dominar e exterminar, os escravocratas atingiram os povos africanos aos quais escravizou, profundamente. Os dilacerando. Supostamente por questões de higiene, suas identidades e orgulho foram massacrados, quando os seus cabelos raspavam. O Encrespa Geral Londres, que aconteceu no domingo 29 de Setembro de 2019, sensibilizou-nos. Foi um toque na alma. Remexeu aqueles, que mexidos, seguem: os nossos corações. Que conectados, em forma de empoderamento, estavam. Via-se nos olhares, nos semblantes, a diferença positiva que tudo aquilo, que todo aquele movimento, aquelas falas, exercícios, palestras, batuque, música ambiente, significou em revirar sentimentos, reestabelecer verdades e certamente, nos reconectar à nossa ancestralidade. A indiscutível máxima, de que representatividade é questão de dignidade reestabelecida, importa sim e muito! Representatividade resignifica e empodera! O Encrespa Geral idealizado por Eliane Serafim em São Paulo no ano de 2013, que já teve duas edições no Reino Unido, vem agora em sua terceira edição, ratificar a consolidação de um núcleo na Inglaterra. O Encrespa é um movimento onde o poder está em nossa cabeça, em todos os sentidos, e com isto, este poder se torna ainda mais abrangente porque ele se apodera do empoderar. Da troca que o empoderamento proporciona e da libertação que isto gera. Ser e optar pelo natural é maximizar a nossa força, o nosso potencial. Estar em fios, estilos, perucas, produtos químicos que não são o natural do cabelo afro ou Black hair, não é o que se está a discutir, debater ou questionar. O propósito é valorizar o cabelo natural, aceitação do mesmo, à transição para quem intenciona entrar neste processo e todo o apoio para o natural prevalecer. Estar em qualquer instância que não seja a natural é estar, literalmente, se submetendo à imposição ditada na escravidão. Àquela que raspava os cabelos dos cativos seres humanos postos em condição de escravidão, que impuseram-lhes o padrão a seguir em termos de cabelo, imagem, beleza. As trocas de experiências nos mostram o direcionamento ao qual devemos seguir, já que a partir destas, identificamos tantas semelhanças, tantos pontos em comum aos quais nos deparamos e enfrentamos. E isto desde sempre. No período pós-escravidão alguns “ex-escravos” se deparavam com um sentir muito inadequado para a situação de homem livre. Isto porque esta liberdade veio em falsas máscaras. Falsas máscaras de libertação. Escravos tinham moradia, o que vestir e comer. Já libertos, isto lhes faltava. Mesmo quando alcançavam condições de progredir, tinham que fazê-lo de forma comedida para não despertar ódios. Ainda mais ódio, eu diria. E em se tratando de cabelo que é uma parte do corpo humano que imediatamente se apresenta, a liberdade era cerceada. Se é que há liberdade com cerceamento. Quando para homens brancos era moda ter longos cabelos e barbas, para os homens negros era considerado como uma selvagem insolência. Já as mulheres que decidiam por cabelos, tendo como molde os longos e arrumados, no próprio estilo das mulheres brancas, estas eram aceitas e isto tido como um correto procedimento a se incorporar, ou seja, incorporar a realidade alheia, renegando o que eram e sua características em termos de cabelo. Um verdadeiro massacre de identidade. Por isto, Encrespe-se e diga não a ditadura, àquilo que não te pertence. Fazer de teu o que o outro impõe em detrimento do seu? Utilizar-se de características alheias para se sentir o que? Bonita? Aceita? Querida? De acordo? O Encrespa Geral é um movimento que firma-se na aceitação e valorização daquilo que nos foi negado. O nosso verdadeiro eu. O teu verdadeiro eu. E “Não é só por cabelo” eis um lema, pois é pelo todo que nos constrói em auto-estima, reconhecimento e afirmação. Negar suas características é se render à escravidão. Escravizar-se a uma indústria a qual não te vês representada, a um padrão que só é o teu, na maioria das vezes, por imposição de todo o poderio e lobby que a indústria de beleza exerce no mundo. E a qual beleza esta indústria majoritariamente, serve e se serve? Não da beleza com ascendência africana. Há quase que uma cartilha a se seguir com padrões eurocêntricos de beleza, e isto é fato. Africanos escravizados, seus descendentes, todos os que formam a diáspora africana, tiveram imagem, desejos, a baixa auto-estima, traumas, complexos, dificuldade de aceitação, introjetados. Fora um processo de fora para dentro, uma malévola construção e o momento atual é de desconstrução. O Encrespa Geral é um projeto que atua exatamente com este propósito, objetivando ser um canal para esta desconstrução.Numa quase que equação em forma de escrita e sentimento, eis que verso e em prosa vos digo: Meu cabelo minha verdade, logo minhas regras! Meu cabelo que se comunica, logo minha língua! Meu cabelo identifica, claro, para quem acredita! Encrespa que representa. Encrespa que é autêntico. Encrespa que empodera. Encrespa que é firmeza. Encrespa, naturalmente encrespa. Encrespa pra geral, que é natural!
Imagem: Encrespa Londres