Dentre os mais variados temas e assuntos que nos atropelam todos os dias, por que e pra que versar sobre violência num mês escolhido e separado no calendário para falar às mulheres?
Porque falar de música, flores e poesia é perder uma oportunidade de colocar na pauta política e social do dia, a naturalização com que é tratada a violência diária e contínua em que vivem a grande maioria das mulheres no mundo.
Fora do âmbito dos movimentos sociais e feminista as questões de gênero não são discutidas, então no momento em que os holofotes se voltam para quem cotidianamente elabora e pesquisa, além de pensar estratégias para que o tema chegue de fato a maioria das pessoas, os veículos de comunicação sentem- se pressionados a debaterem o assunto.
Aqui sentada pensando por onde começar, sem ser clichê ou dramática, característica que me é peculiar, remexendo as memórias de todas as coisas que vivo e compartilho com o mundo, enxergo que é imprescindível à sociedade discutir sobre a autonomia dos nossos corpos e que seja dito em alto e bom som, que essa autonomia está para além do ato de parir, está contida na adequação daquilo que os olhos veem, o coração sente e o mundo entende como correto, está no direito a Vida.
Parece natural parir, pois saibam, talvez não seja e para muitas mulheres essa condição dada ao gênero feminino soa como uma violência sobre seus corpos, sua liberdade em não querer ou desejar gerar outra vida, seja pela idealização profissional, pelo simples fato de não querer ser mãe, precisa ser respeitada, além do que mulheres trans não podem parir e não deixam de ser mulheres por isso. A maternidade deveria estar longe de ser considerada ou entendida como fator biológico identitário, definido e acabado.
Ao mesmo tempo, também é uma violação dos direitos femininos a falta de cuidado e informação com que são tratadas as parturientes no pré-natal, no momento do parto e no pós-parto. Nas cirurgias de episiotomia (pequeno corte realizado entre o ânus e a vagina para facilitar a saída do bebê) que são realizadas sem aviso e consentimento prévio, no uso de infusão intravenosa para acelerar o parto e mais com a recusa de comida e bebida durante o trabalho de parto (eu fiquei doze horas alimentada por um copo de suco de laranja) e ainda nos fazer passar cesarianas desnecessárias.
Essas posturas revelam a dimensão da falta de respeito e sobretudo de humanidade com que as mulheres são tratadas concordando ou não com aquilo que a sociedade entende como dentro dos padrões, na camuflagem da violência doméstica, institucional e urbana que chega a nós em buquês, ritmos ou rimas.
Somos todos os dias tomadas de assalto pelos mais variados tipos de assédios, como solução vagões cor de rosa são tidos como um gol de placa, apontar o uso de mini-saia pra legitimizar os mais ousados e o policiamento insistente do que fazemos, quando fazemos e com quem fazemos entre quatro paredes, tudo em nome da proteção do sexo frágil. Hein?
Frágil eu diria, são os balizadores tradição, família e propriedade que estruturam a sociedade em que vivemos, nos deixando, a Humanidade, tal qual margaridas arrancada dos campos pela violência dos ventos no inverno, a deriva, em peso e medidas exatas.
Quem nos socorre quando damos entrada no hospital publico prestes a parir e não encontramos vaga? Quem nos amparara quando não achamos creches publicas ou vagas em escolas de primeiro grau? Quem nos defende quando não conseguimos nos manter no mercado de trabalho com colocações e salários dignos? Quem advoga em nosso nome quando o espaço acadêmico dificulta e limita nosso acesso? Quem nos acolhe quando somos licenciosamente acossadas por superiores interessados em nosso “crescimento profissional”?
Naturalizamos o tratamento desumano dado às mulheres dos mais variados lugares do mundo não somente quando usando sua cultura e tradição pra justificar a violência sob seus corpos, mas sempre que seus direitos ou liberdade de expressão, seja ele qual for e em que dimensão estiver, for diminuído em detrimento de um pensamento machista ultrapassado e castrador.
A violência é filha da ignorância e do egoísmo, ela nos impede de olhar o outro com olhos de bondade, benevolência, de perfeição e igualdade. A raiz mesquinha do preconceito vem sustentando e ao mesmo tempo dizimando a Humanidade, retroalimentado a organização social e assim como erva daninha que sufoca a beleza das plantações, ela vem descolorindo as relações e minando as possibilidades de nos fazermos ouvir em uníssono.
Lembro-me da fabula do bambu, planta que se verga as tempestades, mas não se quebra e assim me curvo orgulhosa das mulheres da minha vida, na sua maioria elas eram negras, no entanto aqui agradeço pelo respeito que me ensinaram ao sagrado feminino, seja na beleza das formas, na sabedoria que gera, cria e orienta e principalmente na coragem com que ganharam o mundo, reflexo desse ato de força deu origem a mim ou a nós, mulheres que se recusam terminantemente a se submeterem a um lugar que nos silencie.
Sensível é a relevância da frase: “a não violência é o mais longo, é o mais difícil, mas é o melhor, é o único caminho” até lá continuemos a marcha…
Imagem destacada: Desenho de Thiago Lee.