Será que é racismo?
Os povos africanos, apesar de viverem socialmente isolados, possuíam organização social tão avançada quanto a egípcia. Apesar de existir escravidão nessas sociedades, ela era bem diferente. Era incidental, convivia com outras formas de mão de obra. As pessoas eram escravizadas por motivos de guerra, crimes ou dívidas, e não perdiam todos seus direitos, tampouco eram agredidas gratuitamente como foram aquelas pessoas escravizadas pelos europeus. A mercantilização da escravidão começou entre o norte e o sul da África, mas ainda era em escala bem pequena se comparada ao que se sucedeu com a chegada dos europeus.
Será que é racismo?
Os europeus influenciaram cultural e economicamente as sociedades africanas, trazendo a desigualdade social e a lógica de mercado para a África. Determinaram, também, a expansão do mercado escravagista na medida em que influenciou a estrutura das sociedades africanas de tal forma que a escravidão e o tráfico negreiro se transformaram em algo institucional e fundamental e não mais periférico, como era antes. O interesse europeu nas pessoas escravizadas era tão grande que tais conflitos eram incentivados, para suprir tal demanda.
Será que é racismo?
Os europeus aproximaram-se das elites africanas, comprando as pessoas escravizadas por motivos de guerra, trocando-as por armas e produtos que não existiam na África. Mais armas geravam mais guerras, que geravam mais prisioneiros a serem escravizados, que eram trocados por mais guerras, que traziam mais armas. Quando as guerras não supriam mais as demandas, iniciaram os raptos de negros e negras.
Será que é racismo?
A África era vista pelos europeus tão somente como uma fonte de mão de obra barata e matéria prima, mercado consumidor, povoada por seres “sub-humanos”. Para esconder essa realidade, justificava-se a dominação branca sobre a África pela “falta de religião” dos povos africanos (o que é mentira, eles tinham suas religiões, só não eram cristãos) e pela teoria antropológica dominante à época que classificava os africanos como uma “sub raça” que era fadada à dominação do homem branco. Com a chegada dos europeus, dada sua expansão marítima, a Africa foi “partilhada” em áreas de influência, no século XIX, sem, no entanto, deixar de enfrentar resistência. Se dividiu a África de forma arbitrária em relação à noção de territorialidade das sociedades africanas, assim tribos foram divididas em territórios diferentes e tribos rivais foram mantidas no mesmo território. Os conflitos que antes eram resolvidos entre as tribos de forma mais dialogada, deram lugar à fortes conflitos que acontecem até hoje.
Será que é racismo?
5,5 milhões de negros e negras foram escravizados e trazidos para o Brasil. Destes, só 4,8 milhões chegaram vivos. Aqui, foram tratados juridicamente como coisas, espancados, caçados, violados e explorados. De meados de 1500 até 1850, nenhuma mudança havia se dado. A partir daí, leis dando “liberdade” a negros e negras começaram a ser editadas, culminando na Lei Áurea, em 1880. Se engana quem pensa que Princesa Isabel pode ser chamada de “mãezinha”. Ela e a elite branca escravocrata da época tinham interesses econômicos por trás. Com uma mão de obra predominantemente escrava, que não era remunerada, o comércio era dificultado, afinal, quem não tem dinheiro não compra. Bom, mas agora que negros e negras tinham liberdade, estava tudo certo, não?
Será que é racismo?
Era claro que a estrutura racista que dava tanto poder para branca não ia terminar assim tão fácil. A cultura, arte e religião negras foram sucessivamente atacadas para serem destruídas. Sincretismo negativo, criminalização, apropriação. Não houve reparação. Houve, sim, política de higienização e “urbanização” das cidades, durante a República Velha, em razão do discurso sanitarista, como nos “bota-abaixo” dos cortiços no Rio de Janeiro para ampliar as avenidas da cidade. Houve ideologia eugenista, com propósito de embranquecer a população. Houve a vinda dos imigrantes a fim de resolver o que foi disseminado como o grande problema do Brasil: os brasileiros. Negros e negras foram sistematicamente excluídos da sociedade, da economia e de qualquer espaço de poder, cujos mecanismos continuam iguais até hoje. O padrão de beleza disseminado foi branco e os negros e as negras foram ensinadas a odiar seu próprio corpo.
Será que é racismo?
Hoje matam jovens negros com as mesmas justificativas. Matam jovens negros com tiros de fuzil por estarem dirigindo um carro. Matam crianças negras porque estavam com um celular na mão e parecia uma arma. Matam, excluem, marginalizam, aculturam, exploram. Mesmo com tudo isso, se mantém o discurso de “somos todos iguais”, “democracia racial” e “consciência humana”. O mais perverso dessa estrutura racista muito bem articulada é que nos faz acreditar que ela não existe. Suas mãos invisíveis nos violentam de uma maneira que nós nos culpamos pelas opressões que sofremos. Por isso, ao longo de nossas vidas, enquanto somos insultados e violados, ainda hesitamos e nos perguntamos:
#seráqueéracismo?