Atualmente temos observado muitas pessoas negras de ambos os sexos assumindo sua beleza natural, valorizando a estética negra (seus traços, textura capilar, cor de pele) que durante muitos anos foi considerada feia e motivo para opressão por parte de pessoas que assumiam que a única estética apreciável era a que remetia ao padrão de beleza europeu.
Hoje em dia o cenário está mudando e vemos pessoas negras de todas as idades e classes sociais não só se assumindo esteticamente, mas politicamente como negras e servindo de exemplo para as novas gerações, que hoje já têm uma representatividade positiva maior na sociedade do que as gerações passadas.
Sendo assim, poderíamos concluir facilmente que a beleza negra está sendo fortemente valorizada e incentivada, mas podemos cair num equívoco, pois gosto é construção social e o padrão do “belo” é construído de acordo com a sociedade em que estamos inseridos e os valores que essa sociedade perpetua.
Sabemos que estamos inseridos em uma sociedade racista e machista que estabelece os padrões de beleza com base em critérios de exclusão. Dessa forma, podemos nos perguntar: “Toda estética negra é considerada bonita, apreciável, ou há um padrão a ser seguido pelas pessoas negras para que sejam mais ou menos “aceitas”?”
Para tratar dessa questão gostaria de comentar sobre uma experiência que tive recentemente. Estive em um desses salões de beleza que supostamente incentiva a valorização da beleza natural e fiquei muito impressionada não só com o que vi, mas também com o que ouvi. Assim que você chega para fazer uma avaliação, o primeiro procedimento que sugerem é um relaxamento para que você tenha “cachos mais maleáveis”, mesmo que os seus já sejam.
Percebi que nesse espaço não se valoriza de fato a beleza natural, mas um padrão que é vendido pela mídia como mais “aceitável”, então se você tem o cabelo crespo sem cachos, a solução é relaxá-lo para que você possa se encaixar no padrão do “belo”. Fiz apenas uma hidratação, mas 95% das mulheres que estavam lá, e eram muitas em uma quinta-feira qualquer, estavam relaxando os cabelos.
Conversei com uma das moças e ela disse que fazia esse procedimento uma vez por mês e que como seu aniversário estava chegando ela queria se sentir bonita nesse dia. Outra senhora veio da baixada só para fazer esse famoso relaxamento, que ao que parece opera um milagre não só nas madeixas, como na autoestima das mulheres negras que não se encaixam no padrão do “belo” socialmente estabelecido.
Saí de lá pensando em como esse espaço teoricamente destinado ao público afro-brasileiro em vez de ser um espaço de valorização, reconhecimento, incentivo da beleza negra é na verdade um espaço opressor que se aproveita da fragilidade da autoestima de muitas de nós para nos escravizar a um padrão de beleza que não é de fato nosso, mas propaganda da mídia machista e racista.
Malcom X disse: “Temos sido um povo que odeia as nossas características africanas. Nós odiávamos nosso cabelo, nós odiávamos a forma do nosso nariz, queríamos ter um daqueles narizes longos e finos, você sabe. Sim. Nós odiávamos a cor da nossa pele, odiávamos o sangue da África que estava em nossas veias. E em odiar os nossas características, nossa pele e nosso sangue acabamos odiando a nós mesmos.”
Portanto, podemos afirmar que a estética negra é, sem sombra de dúvidas, um instrumento de autoaceitação, de resistência, de empoderamento, uma forma de mostrar que não aceitamos o padrão socialmente imposto, mas que o negro é belo, é lindo, é diverso, é versátil. Somos seres políticos e a nossa opção estética diz muito sobre nós, nossas crenças, nossos valores, afirma nossa existência e nossa resistência contra as tentativas de nos enquadrar em modismos que banalizam nossa cultura, nossa estética.