Por Mabia Barros para as Blogueiras Negras
Desde que me descobri como mulher negra feminista, ou seja, com direitos a exercer minha cidadania e exigir ser tratada com respeito, me livrei das minhas companhias adolescentes. Minha iniciação no universo feminino foi a revista Capricho. Depois passei à Atrevida (da Editora Escala, a mesma da Raça Brasil). Aos 15 as achava tão bobinhas que comecei a ler Nova. E, já na época, me achava mais inteligente que aquilo. Mas o que eu não notava, naquele tempo, é que Nova não me representava. O que me incomodava na publicação então, era a insistência em preparar a mulher para “conquistar seu homem e mantê-lo”, como se esta fosse uma prerrogativa feminina. Mas, ainda ali, não me enxergava como mulher negra. Eu ainda via os bonecos de palitinho como normalmente brancos. (Entendam sobre isso clicando aqui).
Quando finalmente percebi que meu lugar de fala e papel na sociedade era o de mulher negra atuante em prol da autoestima de outras mulheres negras, percebi que nada daquilo me representava. Que à exceção da Raça, que é uma revista mais generalista – sobre o negro na sociedade – me faltava uma revista feminina, na qual pudesse ler sobre maquiagem e moda, assuntos que me interessam por falarem tanto sobre autoestima e personalidade, e me sentisse representada. Mas, de certa forma, me conformei. Foi assim que ao ler o post da Vevila no Escreva, Lola, Escreva, fiquei me perguntando o porquê de uma mulher comprar uma revista se tem tanto referencial na internet. Mas então que, após correr e fazer um post sobre penteados para noivas afros por achar que precisava deixar uma referência clara para as minhas leitoras, parei para pensar: “E pq diabos não comprar uma revista?”
Eu trabalho com internet e, mais especificamente, redes sociais. Logo, tudo pra mim é digital. Mas pensando bem, quando se faz aqueles álbuns para organizar o casamento, não é (talvez ainda não) comum fazê-lo no pinterest. A noiva vai ter uma pasta onde organiza tudo. E as imagens que ela vai mostrar para o maquiador, cabeleireiro, organizador do casamento e etc, serão recortes de… revista! Mas, partindo pro mais geral: eu sigo lendo revistas. Leio a Gloss, da Abril, que fala para a mulher de vinte e poucos, recém formada. E é um pouco mais inteligente, com tendências feministas. Mas não me recordo de ver muitas crespas/afro por lá. E, como diz o texto do Alex Castro sobre os bonecos de palitinho, acho isso normal. E não deve ser. É preciso, sim, reclamar, brigar, esclarecer: quero ver modelos negras na revista! Inclusive a de noiva! Ou será que negras não casam? Ou, se casam, elas devem alisar/escovar os cabelos? Senão não estarão arrumadas?
Mas o ponto alto do post da Vevila é a resposta da revista ao questionamento dela, de porquê não haviam negras crespas na revista. Em reprodução:
Encaminhamos a sua reclamação para a equipe que produziu a revista, segue os esclarecimentos da sua reclamação.
‘Como a leitora não especificou a edição da revista, presumimos que seja a 06, que lançou em janeiro.
Analisamos nosso conteúdo e não encontramos nada de errado. Pelo o que entendemos, o questionamento da leitora referiu-se à cor de pele das modelos e não aos penteados em si, que é o tema da revista.
A nossa equipe, desde o momento de elaborar a revista até a escolha as fotos, certifica-se de que todos os tipos e estilos de cabelo estejam na edição, desde os lisos aos crespos, independente da cor da pele das modelos.
Na revista, como você poderá ver, tem opções para fios lisos, ondulados, cacheados, crespos, curtos, médios e longos. Ou seja, nenhuma noiva corre o risco de ficar sem opção.
Em relação às loiras e às ruivas, esses tons acabam aparecendo mais na revista para deixar o resultado final do penteado mais evidente para a leitora, uma vez que o cabelo escuro, depois que tira a foto, acaba perdendo um pouco os detalhes do penteado, ficando difícil a visualização.
Além disso, os bancos de imagens que trabalhamos não oferecem muitas opções de modelos negras, principalmente com penteados de noivas. As que eles oferecem, não são bonitas.’
Atenciosamente, …
Minha primeira reação para esta carta foi: que ano é hoje? É isso mesmo, Brasil? Fotos de cabelos pretos não podem ser usadas pq fica difícil de enxergar o penteado? Vai me convencer, MESMO, que um cabelo louro, num fundo branco e com luz branca em cima é mais fácil de enxergar? Seeeei… Depois, vamos lá, mesmo que a moral e a ética não sejam mais um controlador de atitudes em nossa sociedade, há uma lei contra atos de racismo, não? E esta carta é clara e vergonhosamente racista. Chega a dar nojinho.
Mas vamos aos esclarecimentos: cabelo crespo não é o mesmo que cabelo afro, ou não o cabelo que nas revistas se representa como crespo. Por vezes é um cabelo com fio muito grosso ou um cacheado mais fechado, 3c. Além disso, a imagem da negra alisada, como se este fosse a única solução possível para estes nossos cabelos problemáticos, é no mínimo um acinte. Eu quero me ver lá representada, não como a minoria dentro das cotas exigidas em lei e socialmente mais agradáveis (pq se for 100% branca até estas, apesar de acostumadas com o protagonismo da mulher branca nas revistas, vão se incomodar – vejam, isso não quer dizer que todas sejam necessariamente racistas, mas os padrões a que estão acostumadas tem sim a ver com a raça), mas como parte integrante da sociedade. Eu existo, certo? Logo, sou ignorada porque?
Outra questão é a do banco de imagens, mas aí nem é, de todo, um problema racista, mas de credibilidade da empresa, mesmo. Quer dizer então que é mais barato comprar a imagem pronta num banco do que criar e fotografar os próprios editoriais? Que revista quer crescer assim? Põe qualquer coisa que tá bom, né, as palhaças compram mesmo… Até concordo com a editora em uma coisa (quem diria!), as imagens em banco, usualmente gringos, são meio estranhas. Tenho muitas dificuldades no trabalho para representar famílias nordestinas, por exemplo, nesses bancos. Ou são todos negros (o que não poderia usar simplesmente pq todos estranham – tou dizendo que o “normal” é branco?!) ou todos 100% caucasianos. Complicado. Fiz uma pesquisa por penteado e, na primeira página, só mulheres brancas. Adicionei noiva na busca e, novamente, só mulheres brancas. Acrescentei afro e apareceu uma única imagem, só de negras alisadas.
Aí pedi por noivas negras. São as imagens que ilustram o post. Nem ao menos uma maquiagem ou acabamento melhor na foto da menina com a flor roxa. Não é uma foto, convenhamos, capa de revista. O que dizer disso tudo? A culpa é do banco de imagens? Ou a culpa é de quem os usa, que tem preguiça de produzir conteúdo próprio? De pesquisar? Realmente não é fácil escrever para negros. Não somos padrão. Se quiser uma imagem boa, vai ter que pesquisar a fundo, pensar, se inspirar em outras revistas. Procurar especialistas. Enquanto isto, vamos seguir reclamando, mandando cartas, nos indignando, procurando na internet e imprimindo, se for o caso. Não podemos é nos dar por vencidas.