A Humanidade, se fosse uma pessoa, envergonhar-se-ia de muita coisa de seu passado; passado este que contém muitos episódios verdadeiramente abjetos. Enquanto humanos, faríamos minucioso inventário moral de nós mesmos; enquanto partícipes do que convencionamos chamar ‘Humanidade’, relacionaríamos todos os grupos ou pessoas que por nossas ações e omissões prejudicamos e nos disporíamos a reparar os danos a eles causados.
Vigiaríamos a nós mesmos, o tempo todo, para que individualmente e enquanto grupo, não repetíssemos nossos vergonhosos e documentados erros. Pais conscienciosos, ensinaríamos às novas gerações os novos e relevantes valores morais que tem de pautar nossas condutas, palavras e intenções.
Dois desses episódios, chagas profundas e fétidas de nosso passado humano, são a escravidão e o nazismo. No primeiro, tratamos outros seres humanos como inferiores; os açoitamos; os forçamos ao trabalho; os ridicularizamos (dizendo que eles eram feios, sujos, burros, seres humanos mal acabados e não evoluídos); procuramos destruir seus laços com a terra amada, sua cultura, sua língua; dissemos que eles não tinham alma enfim. No segundo não era diferente; mesmas ações, alvos expandidos: pessoas negras, judeus, homossexuais. Todos tratados com o mesmo desrespeito.
O tempo passou e como as chagas permanessem, fizemos um meio-trabalho: criamos leis. Leis como a 7.176/89, que qualifica o crime de racismo e depois a Lei 9.459/97 (que inclui o parágrafo 1 no artigo 20 da já referida Lei 7.176/89, mencionando a fabricação e uso de símbolos nazistas). Infelizmente, nem mesmo a força da lei tem sido suficiente.
O que vemos é, em toda parte, ressurgirem graves violações dos Direitos Humanos outrora perpetradoss. O que seria motivo de vergonha vem ganhando os espaços públicos, por meio de recursos custeados pelo Estado; um Estado que se auto declara ‘Democrático de Direito’; um Estado que tem como fundamento a DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (inciso III do artigo 1 da Constituição de 1988).
Sim, foi isso mesmo o que você leu: na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alunos do curso de Direito (sim, um curso cujo objetivo é formar profissionais que serão essenciais à Justiça e à defesa desse propalado Estado Democrático de Direito) fizeram um trote onde, sob a desculpa de fazer piada, usaram saudações nazistas e representações racistas e sexistas.
A notícia, amplamente divulgada na mídia, vocês podem ler clicando aqui.
Mas não é só: infelizmente nesses últimos meses, tomamos contato com episódios igualmente repulsivos ocorridos em universidades: na Politécnica (Faculdade da Universidade de São Paulo, também mantida com recursos públicos), vimos alunos divulgarem uma gincana, onde uma das ‘provas’ era algo cometer assédio sexual.
Confira na Feminista cansada e no Estadão.
E isso logo após alunos de uma outra Universidade (também da USP, na cidade de São Carlos), agredirem manifestantes que criticavam um trote que vilipendiava a imagem feminina.
Todas essas condutas, perpetradas por alunos que deveriam estar recebendo instruções aptas a torná-los profissionais e cidadãos mais éticos (afinal, é para isso que todos os cursos contém em suas grades a matéria denominada ‘Ética’), mostram que beiramos a um perigoso retrocesso no quesito ‘Direitos Humanos’.
Sendo os Direitos Humanos imprescritíveis, inalienáveis, irrenunciáveis, invioláveis e universais, efetivos e interdependentes, não pode haver NENHUMA tolerância a qualquer ato ou gesto que os ameaçem.
E é por isso e também por tais atos (perpetrados nas três universidades citadas) constituirem verdadeiro incentivo à propagação de discursos preconceituosos e de ódio, é que os coletivos assinam a presente nota de repúdio, esperando que autoridades constituídas tomem as providências cabíveis para apenar exemplarmente os responsáveis. Leis para isso já existem; mas para que os direitos ganhem efetividade é preciso sua aplicação.
Esperamos também que as pessoas que lerem a presente também façam um reflexão sobre o rumo que nossa Sociedade está tomando. Não queremos o retrocesso. E se você compartilha conosco desse sentimento, dessa vontade de colaborar com a construção de uma Sociedade melhor, não se cale.
Nós somos negros; nós somos mulheres; nós somos gays; nós somos lésbicas; nós somos transexuais; somos nordestinos; adeptos de religiões minoritárias. Somos as minorias que diuturnamente temos de conviver com o menoscabo de nossas imagens; com atos que naturalizam a violência; que criam verdadeira cisão entre Humanos; que reabrem as chagas e as fazem sangrar. E nós não vamos nos calar. O estandarte, escudo e espada emprestaremos da Themis, a deusa da justiça; usaremos a lei e exigiremos o seu cumprimento.
Aos estudantes de Direito que fizeram uma tal ‘brincadeira’ repulsiva, lembramos:
‘Ubi non est justitia, ibi non potest esse jus’
Onde não existe justiça não pode haver direito
Assinam o presente,
• Feministas do Cariri
• Homem Feminista de Verdade
• SlutShamingDetected
• Renovação Negra
• Liga Humanista Secular do Brasil
• Oyá Feminista
• Ogum’s Toques
• Catavento
• Luciana Nepomuceno
• Denise Arcoverde
• Biscate Social Club
• Niara de Oliveira
• Transexualimo da depressão
• Vertov Rox
• Rádio Caruncho Fm Livre
• Editora Artesanal Monstro dos Mares
• Cinezine Cineclube
• Centro de estudos humanistas, libertários e anarquistas
• José Ricardo D’ Almeida
• Luluzinhacamp
• Lucia Freitas
• Blogueiras Feministas
• Blogagem Coletiva da Mulher Negra
• Blogueiras Negras
• Ativismo de Sofá
• Mulheres Notáveis
• Ofensiva contra o machismo
• Chopinho Feminino
• Gilson Moura Henrique Junior
• Marcha das Vadias BH
• Machismo Chato de Cada Dia
• Bidê Brasil
• Entre Luma e Frida
• Escreva Lola Escreva
• Cozinha da Matilde
• Larissa Santiago
• Questões Plurais
• Gordas e feministas
• Preta & Gorda
• Gizelli Souza
• Cecília Santos
• Mulheres em Movimento Mudam o Mundo
• Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte
Imagem de destaque: Bhaz