Deve existir. Mas, pessoalmente, ainda desconheço.
Inevitavelmente, as universidades são um espaço de contato e envolvimento político. Não há como dissuadir a sua passagem numa Universidade, do mínimo contato com os seguintes termos: ME (Movimento Estudantil), DCE (Diretório Central das/dos Estudantes), CA/DA (Centro/Diretório Acadêmico).
Junto com tais termos, há pessoas, grupos políticos pré-estabelecidos ou grupos em vias de se tornarem realidades.
Fazer parte desses espaços tem o poder de te abrir os horizontes sobre tudo na vida. Tudo mesmo!
Da sua identificação partidária, sua identidade de gênero, orientação sexual, sua cor, classe, até a situação da sua vida segundo o zodíaco. A descoberta dessas subjetividades te torna destoante e, ao mesmo tempo, pertencente a um subgrupo de pessoas, que coexistem com as suas subjetividades ou, minimamente, simpatizam com elas. O grande problema é quando a suas subjetividades se tornam mais relevantes pro seu desenvolvimento pessoal, do que o grupo ao qual você pertence está disposto a manejar.
Não se iludam manas pretas!
O movimento estudantil é um campo de massacre de subjetividades, de brigas de egos e disputas de poder. Uma vez dentro, não há como negar essa realidade.
Com a pauta racial, esse descobrimento de subjetividades tende a ser um processo solitário, pelo número reduzido de negras/os nesse espaço. E nessa vivência solitária de experimentar ser negra e descobrir as implicações dessa condição, a tendência é que a gente abra caminhos e comece a questionar a maneira como as relações se constroem. Questionar relações raciais, inevitavelmente, pressupõe a reflexão sobre privilégios.
Mas ninguém quer abrir mão de privilégios!
Quando o bicho pega e você já não consegue ficar de boca fechada frente ao racismo, os polos se invertem e o ataque se torna a melhor defesa. Não há cor, forma do corpo, subjetividade, quando o que está em jogo é o ideal de uma coletividade que se propõe “inclusiva”/”pró-minorias”, ou apenas “neutra”; mas se recusa a fazer o debate real sobre privilégios.
É fácil fazer formação, mística, espaço pra debater opressões ou simplesmente uma “imersão” política de cunho “neutro”, regada a vinho e conversas céleres entre pessoas também céleres sobre temas amplos. É muito fácil!
TUDO CONVERSA PRA BOI DORMIR!
Todo mundo sabe chorar na formação, fazer mediação de mesa pautando paridade racial, ou ter uma Coordenadora de sei-lá-o-que negra, pra estampar o quão estão ilesos cercados de seus privilégios sob o cartaz da “sororidade”. Aliás, que bela palavra, essa. Tem quem queira tatuá-la. Tem quem a venere. Só não achei quem a coloque em prática.
Eu mesma perdi as contas de quantas vezes me esgoelei pra clamar por sororidade ou me vangloriar de saber como ela funciona; mesmo imersa em ambientes em que o coleguinha branco fica com as colegas negras às escondidas. Os mesmos ambientes em que a garota “parda” não hesita em tecer acusações profundamente racializadas à ‘compa’ negra, mas “sem querer falar mal”, claro. Ou, ainda, aquele ambiente em que a personificação de pendengas políticas travestidas de pessoais, invadem os espaços de debate, sistematicamente silenciando ‘a’ mulher negra. Os mesmos fucking espaços em que o homem negro, uma das referências acadêmicas, alcunha mulheres de histéricas ou mina a participação delas nos espaços, atingindo diretamente suas subjetividades. Pasmem, tudo isso dentro da academia.
E o outro lado dessa narrativa também é estarrecedor.
As degladiações não estão restritas aos espaços mistos (com pretas/os e brancas/os)! Vários espaços que se pretendem afrocentrados (exclusivos para pessoas negras) têm caído no ostracismo político pela completa ausência de uma noção de autocuidado ou proteção entre seus iguais. Não há possibilidade de promover um debate antirracista que dispute consciências hegemônicas, quando militantes definem como prioridade pessoal calar vozes com perfis específicos em detrimento de uma briga por visibilidade, liderança e celeridade. Não dá pra combater as práticas racistas seculares de uma Universidade, quando o seu interesse maior é deslegitimar uma mulher negra que se pretende companheira de luta. Não dá pra tomar a frente de uma organização, quando pra isso você sistematicamente atravessa as falas de sua companheira, durante uma reunião.
Muitas das problemáticas das relações raciais dentro da militância no movimento estudantil estão ligadas a essa antropofagia caucasiana a que estamos expostas/os. Cansamos de ver negras/os capitalizadas/os dentro de um espaço de domínio político branco – com a função de agregar pautas – serem veementemente desautorizadas/os e apagadas/os quando da disputa ideológica.
Negras e negros têm bancado e protegido organizações políticas se submetendo a tudo que há de mais patético e humilhante: subordinar sua identidade racial a uma agenda política supostamente coletiva. E quando falamos sobre quais são as prioridades de movimentos estudantis/de juventude, certamente que o combate real ao racismo está em último ponto.
Negras e negros capitalizadas/os por essas organizações têm legitimado o apagamento político, o silenciamento e a invizibilização de subjetividades e trajetórias de outras pessoas negras; bem como uma barreira de proteção completamente “a-crítica” desses espaços.
“Toda crítica é válida, desde que não seja pra mim!” – é assim que se comportam. Antes de macular a imagem do “Coletivo”, queimam, expõem e desautorizam quantas mulheres negras for necessário. Quando o que está em jogo é poder – e um tipo de poder muito mais intenso do que aquele que advém da força física – não há pormenores: joguem a mulher negra aos leões. Os leões, aqueles de sempre: brancos, heterossexuais, misóginos, ricos e altamente escolarizados.
Jogar pedra na Geni agora é demodé!
Bom mesmo é jogar a mulher negra aos leões!
“Mas quem essa ‘negra’ pensa que é? Nossa, ela se acha muito! Tudo é sobre ela.”
Ela não é digna de confiança.
Ela não se compromete com o grupo.
Ela é militante negra, sua obrigação é bater de frente com o racismo.
Afinal, se a nêga não sente dor no corpo; que dirá na alma…
Imagem destacada: Mulheres do movimento negro dos EUA em saudação comum entre os Panteras Negras.