Apresentado pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, no fim do ano passado, o PIMESP (Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Paulista) tem trazido muita polêmica à comunidade universitária e gerado indignação na maioria do movimento negro.
Trata-se de um programa que visa a estabelecer as linhas gerais de uma proposta de implementação de cotas nas universidades estaduais paulistas, entre elas, por exemplo, USP, UNESP e UNICAMP. Diferentemente da proposta das universidades federais brasileiras, o PIMESP, segundo seus idealizadores e defensores, não trabalha com a ideia de cotas, mas com a ideia de cumprimento metas. Ele consiste na reserva de 50% das vagas para alunos oriundos de escolas públicas e, dentro desse percentual, 35% de vagas para pretos, pardos e indígenas (PPI’s). A meta a ser atingida ao longo de três anos, a partir de 2014, é a de que todos os cursos, tanto no período matutino como no noturno, tenham metade de suas vagas ocupadas por alunos PPIs.
Entretanto, ao invés desses segmentos irem direto para a universidade, eles terão de passar por uma espécie de “reforço”, que se baseia em dois anos de estudos obrigatórios para só depois, a depender do seu bom desempenho, entrarem nas universidades estaduais paulistas. Essa medida seria executada por meio da criação de um “college”, o Instituto Comunitário de Ensino Superior (ICES), que não é apenas um “reforço”, mas uma “nova modalidade de oferta de ensino superior público gratuito”, com duração de dois anos, de caráter semi-presencial, voltado para o “desenvolvimento de estudos gerais do ensino superior”, que dará uma formação básica e “encaminhamento da formação profissional”, em que o aluno pode sair com um diploma de curso sequencial, caso não consiga entrar em alguma das universidades públicas estaduais paulistas. Aliás, para o aluno conseguir ingressar em uma delas, é necessário que ele tenha um aproveitamento superior a 70% após os dois anos de curso, isto é, se ele não conseguir atingir esse percentual, ele terá perdido dois anos de estudos.
Essa proposta do governo do Estado de São Paulo, com o pomposo nome de “de inclusão com mérito”, quer ser uma proposta nova, diferente do que foi desenvolvido em outras universidades federais e estaduais, ao mesmo tempo em que é extremamente conservadora e de uma lógica discriminatória, como o advogado Silvio Luiz de Almeia demonstra em um artigo .Reprovado na maioria das Congregações das faculdades da Universidade de São Paulo por diversas razões e, sobretudo, devido às pressões do movimento negro, como da Frente Pró-Cotas da USP, o PIMESP é um forte forma ataque e de desrespeito à população pobre e negra de São Paulo, que surgiu a contrapelo das demandas dos movimentos pró-cotas nas universidades estaduais paulistas. Antes de problematizarmos a proposta, é importante mencionar que, segundo o resultado do questionário de avaliação socioeconômica, respondido pelos 159.609 candidatos que se inscreveram no vestibular para ingresso em 2013, a maioria das pessoas que buscam uma vaga por meio da Fuvest são brancas – 75,6%. Pretos e pardos somam 18,9% dos inscritos, indígenas 0,2% e amarelos, 5,3%.
Assim, quer dizer, então, que não se trata de cotas, ou seja, de reservar determinado número de vagas para negros, índios e estudantes oriundos de escola pública e de baixa renda, mas de recrutar um percentual de estudantes que, durante dois anos, terão de fazer um curso semipresencial, com disciplinas como Empreendedorismo e Gerenciamento do Tempo (esse aspecto é muito bem problematizado nesse artigo da ADUSP) , para após dois anos, SE obtiverem um aproveitamento acima de 70%, poderem entrar nas universidades estaduais paulistas?
Em outras palavras, temos, então, uma evidente segregação: há aqueles que entram diretamente na universidade pelo vestibular – e não nos esqueçamos que é uma maioria branca e de classe média – e há aqueles que precisam fazer um curso, um “college”, por dois anos, para provar que são capazes – os pobres, os negros e os indígenas. Na contramão das pesquisas desenvolvidas em universidades brasileiras que já implantaram o sistema de cotas, as quais mostram que o desempenho de um aluno cotista é superior ou igual ao de um aluno não-cotista (aqui e aqui), a proposta do governo discrimina os beneficiados, na medida em que os concebe como seres despreparados e que podem arruinar a sacra excelência acadêmica, precisando, portanto, fazer um curso semipresencial e de cunho profissionalizante, que ATÉ dá direito a um diploma – veja só como a nossa proposta é boa!
PIMESP não é inclusão, não é ação afirmativa. Isso reforça uma lógica perversa e conservadora, que continua segregando pobres, negros e índios de um espaço do qual eles foram historicamente excluídos: a universidade. A respeito disso, uma notícia recente publicada no portal UOL diz que, entre os cursos mais concorridos da USP , há apenas um calouro negro, por exemplo. Nesse sentido, não estamos falando de privilégios, estamos falando de direitos – historicamente negados a esse segmentos, sobretudo à população negra. Até quando universidades como a USP, um antro de conservadorismo, vão se negar a incluir, de fato, esses setores da sociedade, pensando em propostas de inclusão em conjunto com os movimentos pró-cotas, professores, estudantes, funcionários, por uma universidade mais democrática e plural?
Ações afirmativas como as cotas, além de assumirem que vivemos numa sociedade desigual e racista, em que o Estado tem a obrigação de realizar políticas públicas que visem à igualdade de oportunidades, não beneficiam apenas os setores historicamente excluídos da academia, como bem mostra um artigo recente escrito por Luís Roberto Barroso, professor de Direito da UERJ. As cotas beneficiam a própria a universidade que, deixando de ter um perfil monocromático e elitista, agregará estudantes pobres, negros e índios, com outras experiências, saberes e reivindicações, que colocam em xeque o próprio papel da universidade e do saber produzido por ela. É a hora de essas populações deixarem de serem apenas objetos e tornaram-se sujeitos de um espaço que sempre deveria ter sido deles também. Por isso, repudiamos o PIMESP, mas não deixamos de reivindicar e de lutar por cotas nas universidades estaduais paulistas já!
Fernanda Sousa, negra e estudante de Letras (FFLCH-USP).
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