Esses dias alguém me perguntou quais eram os bens imateriais que eu possuía e que me deixavam orgulhosa. Rapidamente veio em mente: minha família. Logo depois pensei no feminismo. E depois pensei em várias outras coisas que me enchem de orgulho, mesmo as coisas mais pequenas, mais simples e mais fáceis. Em menos de trinta segundos eu já tinha várias respostas e fui falando com entusiasmo, até que eu olhei para pessoa e ela não estava com cara de quem queria ouvir. Parei. Mudamos de assunto. Mas assim que eu fiquei sozinha, voltei a pensar naquilo e percebi o quanto esses pequenos bens me fazem feliz. E mais do que isso, eles se relacionam e ficam ainda mais fortes, como a influência que o feminismo e minha família têm sobre mim. Vou explicar.
Uma família, predominantemente, de mulheres. Mulheres negras. Inicialmente temos a priori, uma mulher negra, trabalhadora da década de 50 (a sociedade da época a via assim?), suas quatro (únicas) filhas, suas três netas e uma bisneta. Os únicos homens se resumem em dois enteados e dois netos, porém não é deles que quero falar. Quero falar dessas mulheres que trazem na sua história, além de superação, a resistência, o poder, o empoderamento, a representatividade e a união. Mulheres maravilhosas, começando então com a matriarca, de uma sensibilidade incrível, forte, carinhosa, devota, alegre. Traz na sua história de vida histórico de luta. Ela casou cedo, assim como ficou viúva muito cedo também. Se tornou independente e ensinou para suas filhas a importância de ser independente, motivando-as a estudar e a trabalhar sempre. E assim fizeram, todas estudaram, todas trabalharam, todas cresceram, todas se tornaram independentes, tanto da mãe, quanto do marido, do filho, da filha, de qualquer um. Independentes! E não, não foi fácil. Se hoje, no século XXI, ainda não é fácil para uma mulher negra estudar e trabalhar sem todos os preconceitos da sociedade, quanto mais no século passado. Muitas portas se fechavam apenas ao ver a cor da pele. Muitos foram os momentos de dominação, de opressão, de humilhação, algumas vezes vindo de alguém próximo, apenas pela condição de ser mulher ou de ser negra. Mas mesmo não sendo fácil, elas resistiram, continuaram, enfrentaram, conseguiram. A força foi passada de geração em geração, porque mesmo que sejam dificuldades diferentes em épocas diferentes, elas nunca deixaram de existir, não se engane. De todos esses anos, que cercam essas quatro últimas gerações, foram vários os ensinamentos, e várias as histórias.
Ainda me lembro do “pente quente” (que veio a ser substituído pela chapinha), ensinado a cada mulher da família a usá-lo como uma forma de “domar” seu crespo. Ele, assim como os bobes (usados para modelar), era usado geralmente para dias de festa. No dia a dia era usado o pente garfo e geralmente também os turbantes. O pente quente hoje em dia foi abandonado por nós, mas o pente garfo e os turbantes são ainda muito atuais no nosso cotidiano. Acessórios que aprendemos a usar com nossas mães, avós, tias, irmãs. Não foi através de um tutorial de moda, não foi através de revistas, blogs ou televisão. Mal éramos e mal ainda fomos representadas na mídia, mas nossos símbolos viraram “moda” para muitos. Ignoraram toda a história por trás de um símbolo e usam e abusam dele. A influência é tanta que isso vem se espalhando. E é bem verdade que sempre houve uma influência social dominante nos impondo como deveríamos agir, falar, andar, viver. Tanto é que usávamos o pente quente, mesmo sabendo que nossos crespos eram lindos do jeito que eram e não precisavam ser domados. Fazíamos, muitas vezes contra vontade, para sermos socialmente aceitas. Sempre tivemos orgulho de sermos quem éramos. Mas hoje, além de orgulho, temos também a consciência de não fazermos algo apenas para sermos aceitas socialmente. Somos quem somos, amamos quem somos, e não vamos fazer nada para agradar a sociedade. E isso eu aprendi inicialmente com a minha família, e logo depois com o feminismo, que veio para complementar.
Somos sim uma família de mulheres. Mulheres negras, gordas, lindas e felizes. Somos unidas e fazemos de nossas experiências compartilhadas algo para fortalecer ainda mais nossa união. Tenho uma família extremamente empoderada. Elas são lindas e sabem disso, transmitem isso. Se olham no espelho e amam o que veem. Elas não são de reclamarem da forma física, do cabelo, das unhas ou seja o que for. Assim como também elas não me botam e nunca me botaram pra baixo, pelo contrário, me incentivaram a sorrir e não ligar para opinião alheia. Apoio, essa é a palavra correta que descreve a forma de agir dessas mulheres que eu me orgulho em conviver. Quando uma de nós tem um problema, aquele problema se torna de todas. E resolvemos juntas, assim como lutamos juntas também. Lutamos contra várias opressões, cada uma de nós individualmente com as opressões que nos atingem. Porém temos, todas nós, em comum, a luta contra o machismo e contra o racismo. Todas nós sabemos e sentimos a solidão da mulher negra. Mas apesar disso, temos umas às outras. Nós por nós mesmas! Não estamos sozinhas. E eu não falo só de laço de sangue. Família é muito mais do que biológica. Família é, mais do que tudo, união afetiva. Então, mesmo que o sangue nos una, não é apenas isso. Tanto que tenho algumas irmãs que a vida me deu, e sou muito grata por isso. Afinal, o que importa mesmo, seja familiar ou não, é a união. Eu ouso em dizer: uni-vos.
Imagem destacada: Pinterest Plus-Fab