Por Jaqueline Jesus para as Blogueiras Negras
É lamentável o rumo homogeneizante que os discursos sobre as Paradas do Orgulho de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e demais pessoas Trans (LGBT) têm tomado. Os seus exemplos máximos são a divulgação e as falas na mídia e nas redes virtuais sobre a Parada paulistana, guiadas pela regressão ao uso exclusivo do termo “Gay” para representar toda a diversidade de orientações sexuais e de identidades de gênero dos LGBT. Digo “regressão” porque isso era comum há décadas, quando não eram conhecidas as diferentes questões de gênero e a diversidade sexual dentro desse movimento social.
Restringindo-se a tal caminho, as Paradas brasileiras poderão perder o sentido político-identitário que as fundamentaram e ainda as orienta. Ora, ao contrário do que afirma o senso comum, a pauta das Paradas não é apenas de e para homens homossexuais, nem sequer se resume a questões de pessoas homossexuais.
O uso da carnavalização (ritmo festivo) como recurso para agregação de público foi muito bem sucedido, a meu ver. Quanto à mercantilização das Paradas, ela decorre da sua inserção na conjuntura sócio-econômica em que vivemos, assim, a associação do chamado “pink money” com a repercussão dos eventos nos diferentes meios de comunicação é inevitável, ou melhor, desejável pelos organizadores e patrocinadores, tanto quanto seria com qualquer outra iniciativa ideológica voltada a um público (incluídos aí eventos como a Marcha Para Jesus e a Copa do Mundo).
Entendo que as Paradas, como protestos festivos, festas políticas ou f(r)estas, usando aqui termos de vários/as pensadores/as sobre esse evento, acertaram em suas estratégias de visibilidade massiva, porém precisam se precaver do risco de invisibilização interna a esse grupo político-identitário complexo, formado historicamente, invisibilidade que afeta, principalmente, Lésbicas, Bissexuais e a população Trans.
Não é por acaso que os debates e as matérias jornalísticas sobre a Parada que ocorre hoje em São Paulo, tradicionalmente intitulada como a maior do mundo, abusem dos termos “gay”, “homossexual”, “homofobia”, “hétero”, “armário”, “drag queen” e seus plurais, como se eles abrangessem a realidade de qualquer pessoa dita LGBT, a qual não existe fora do discurso político-identitário.
É fácil generalizar os LGBT como uma população unificada, quando se esquece que esse é um grupo constituído politicamente, para fins de construção identitária e de direitos. De fato, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e demais pessoas Trans vivem realidades e demandas próprias, que não se resumem à pauta própria dos homens homossexuais (isso se torna mais amplo quando lembramos das questões das pessoas Intersexuais e das Assexuais, ainda pouquíssimo divulgadas no Brasil), e não podem ser representados visualmente apenas pessoas de um único grupo de gênero (homens), sexual (homossexuais) ou etnicorracial (brancos), como tem sido redundante nas imagens sobre essa população (pessoalmente compreendo que não existe uma “população” LGBT, mas, isso sim, movimentos sociais LGBT, essa reflexão, entretanto, merece um texto próprio para ser explanada com a profundidade que merece).
Como contraponto à simplificação do significado das Paradas LGBT e à homogeneização da população LGBT nas grandes mídias e nos discursos oficiais, é notável que as marchas e os debates alternativos, além do ativismo online de Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e demais pessoas trans, têm reiterado a necessidade de se tornar visível a diversidade sexual, etnicorracial e de gênero dentro da dita população LGBT.
Posso afirmar que o que há de mais contemporâneo e atualizado na temática sobre as políticas sociais por e para LGBT – como o feminismo lésbico, o transfeminismo e as questões etnicorraciais – está excluído do roteiro cultural das Paradas. Só aparece ocasionalmente, nas raras mesas sobre a população transgênero, negritude ou lesbianidade que são colocadas, geralmente “em cima da hora”, nas programações de alguns dos eventos, tornando-se índices da ausência/inexistência da discussão no dia-a-dia do movimentos sociais LGBT (aparecem como exceção à regra do seu não-reconhecimento como necessários na pauta política central de LGBT).
Em nosso país, cada vez mais globalizado, não se une um grupo social sem que seja respeitada a pluralidade identitária interna àqueles que se pretende unir. Creio que essa valorização das particularidades dos/as chamados/as LGBT seja o desafio mais premente para os organizadores e os divulgadores das Paradas do Orgulho, sob pena de se tornarem, tão-somente, porta-vozes de marcas, e não de necessidades de pessoas reais.
Jaqueline Jesus é brasileira, nascida em Brasília no ano de 1978. Sou Psicóloga, tendo sido assessora de diversidade e apoio aos cotistas da Universidade de Brasilia – UnB. Sou Doutora em Psicologia social, do trabalho e das organizações pela mesma instituição. Escreve no blog Jaqueline J.
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