Ainda estamos sem palavras. Emoção, abraços e aprendizado são as palavras que definem o que aconteceu no último fim de semana no Recife.
Os sentimentos nos atravessaram nos dois dias e foi impossível não entender que, apesar do momento em que estamos passando no país, é mais que fundamental, é essencial nos encontrarmos. Em cada rosto de cada preta ali presente vimos uma satisfação e uma vontade de que o instante parasse e permanecemos ali, nos ouvindo, nos aplaudindo e trocando nossas experiências. Um encontro conosco e com as outras da maneira mais incrível que já vivemos.
Éramos em torno de 100 mulheres reunidas no Museu da Abolição, nos dias 22 e 23 de outubro, para o I Encontrão Blogueiras Negras realizado na cidade. Ansiosas, as mulheres já perguntavam pelo próximo e vai ter: São Paulo, dia 19 e 20 será a cidade que abrigará mais uma maratona de afrontamentos, experiências e percepções das pretas.
COMO COMEÇOU
O Encontrão começou há muitos dias antes: preparamos as energias, as inscrições e tudo o mais com muito carinho, enviamos cuidadosamente orientações para as inscritas e nos preocupamos desde o início com a acolhida das oficineiras. No primeiro dia, iniciamos a recepção e as pretas chegaram cedo para a primeira oficina, a de Feminismo Negro: Mônica Oliveira exercitou o que nós entendemos por Feminismo, nos trouxe referências como Audre Lorde, Lélia Gonzales, Luiza Bairros e falou da nossa experiência com o racismo e com a violência doméstica. O auditório do Museu da Abolição estava lotado e todo ouvidos para as histórias das mulheres que compartilharam suas experiências, felicidades e angústias. A conversa se estendeu até um pouco depois do previsto e se dependesse do calor e tom, ficaríamos a tarde toda ali; partimos para o almoço que, como sabemos, sempre foi nosso momento de confraternizar.
Na segunda parte do dia, nos dividimos para as oficinas específicas: Rap e Poesia, Fanzine, Blog, Audiovisual, Escrita Criativa e Segurança na Rede aglutinaram as mulheres em torno do tema da violência: as oficineiras ocuparam os espaços embaixo das árvores, propuseram rodas de conversa dentro e fora das salas, intercambiaram saberes.
O sorriso da troca, os abraços durante as oficinas eram o retrato da satisfação em se encontrar, em se reconhecer; presenciamos falas contundentes, trocas carinhosas e sugestões pertinentes. Tivemos pausa para um delicioso lanche, resgatando de novo nossa tradição de conversar e confraternizar em torno da comida – foi realmente saciador.
Retomamos às oficinas num ritmo menos acelerado e concluímos o primeiro dia numa apresentação emocionante de Maya Ferreira – integrante do Coletivo Feminista de Dança da UFPE, o FEMME. Depois de um dia de sol, Maya literalmente fez chover: enquanto entoava cânticos que remetiam a nossa ancestralidade, ela trazia na sua performance as dores de ser mulher negra em diversos contextos e ficou impossível não chorarmos – nós e o céu.
AS OFICINAS
No domingo, abrimos o dia com uma oficina de auto cuidado facilitada pela queridíssima Carmen Silva. Foi nosso momento de contato com nós mesmas, com a natureza e com as outras. Como bem nos lembrou Carmen, no feminismo nós pensamos muito, agimos ainda mais, mas às vezes negamos o sentir – que faz parte na nossa integralidade. Obrigada por nos mostrar o caminho do auto cuidado, Carmen.
Seguimos para a continuação das oficinas, onde as trocas se intensificaram: juntas, as mulheres das oficinas de Fanzine e Escrita Criativa trocaram seus resultados, mostraram seus escritos e compartilharam a experiência de levar para o papel suas histórias.
Mais uma vez paramos para o almoço e curtimos a Feira de Afroempreendedoras – roupas, brincos, comidinhas veganas e muito café regaram nosso intervalo estratégico para um descanso e fotos embaixo do baobá.
De volta as oficinas, as mulheres se preparavam para concluir os trabalhos. Mais fotos, mais vídeos, mais escritas, letras de rap e zines. Mais sobre segurança na rede e mais blogs criados. Paramos também para mais um lanche, para um café e uma conversa, onde em todos os momentos ouvíamos das outras o quão feliz era se encontrar.
O RESULTADO
Reunidas no auditório, exaustas pelos dias de trabalho mas felizes, agradecemos as mulheres que resistiram até o fim, as que precisaram ir porque era dia de água na comunidade e as que se fizeram presente positivando de longe.
As pretas da oficina de Escrita Criativa trocaram cartas umas com as outras e também criaram zines, no intercâmbio feito no segundo dia com as participantes da oficina de Fanzine; essa, produziu coisas inacreditáveis como a publicação de Dona Severina, de Clea e de muitas outras pretas que mostraram o poder das suas criações e criatividades.
Na oficina de blog, nos emocionamos – como era de se esperar – com a criação de dois [eu disse doooiiisss] blogs: o primeiro da psicóloga Ana Paula Sampaio, que tinha o desejo de escrever com o objetivo de ajudar outras mulheres a superar suas dores e o blog coletivo Beija Flor Lilás com informação de várias mulheres negras de comunidades e com as experiências das mulheres de Passarinho, que era o sonho de Dona Pergentina! Ela nos emocionou com sua história e agradeceu por termos todas juntas proporcionado a materialização do sonho. Em breve, postaremos aqui.
As pretas não pararam: fomos todas surpreendidas positivamente com a exibição de um vídeo, criado e editado pelas participantes da oficina de Audiovisual – foi extasiante! Um vídeo que tem como roteiro o combate a violência contra mulher de um ponto de vista [afro]ntador: nós fomos a loucura.
E por fim, as que participaram da oficina de rap e poesia prepararam uma apresentação incrível, também trazendo o combate a violência como centro da poesia e uma mistura bem arranjada de rap e repente, com meldodia e pandeiro. Cantamos e dançamos emocionadas.
Ainda apresentamos o vídeo GUERREIRAS, produzido pelo Fundo Elas e o videoclip recém lançado do Casas Populares da BR 232 para terminarmos o dia comemorando nossas vidas, nossos aprendizados e nosso encontro.
O OLHO NO OLHO
Novidade nenhuma pra quem sabe que choro por tudo. Desde o primeiro dia, quando a primeira preta chegou enquanto ainda arrumávamos as cadeiras, não parei de sentir a energia positiva.
A cada abraço, a cada obrigada e a cada sorriso que ia vendo enquanto tirava fotos sentia que estávamos todas no caminho. Sentimos falta de muitas outras, tinha lugar e aconhego para mais, mas entendemos a limitação das que trabalharam no sábado e domingo, das que foram se distrair e das que por questões outras não puderam comparecer. A energia emanada das que estavam distantes e que trabalharam duro, mais muito duro para que o I Encontrão Recife acontecesse também foi sentida – foram muitos os beijos e abraços direcionados a Charô Nunes e Maria Rita Casagrande. Enquanto almoçávamos, muitas de nós nos abraçávamos e ríamos juntas. Foi um dos momentos mais aglutinadores, unificantes.
Dois dos momentos olho no olho vão ficar guardados na minha memória para sempre: ver Dona Pergentina explodindo de felicidade em partilhar seu blog e se emocionar com os aplausos de pé que recebeu de nós todas e o abraço sincero com as palavras de Makeda dizendo exatamente assim “é maravilhoso, gratificante poder participar da realização do sonho das irmãs.”
Foi um fim de semana e tanto, pretas!
LIÇÕES APRENDIDAS
As dificuldades, elas existem. As pessoas pra segurar na sua mão, levar no rumo e fazer acreditar que vai dar certo também.
Uma das lições aprendidas é de que é preciso dedicação. Muita dedicação – e agradeço as Blogueiras Negras por me mostrarem que há necessidade de ser sempre mais! Horas preparando, criando e estando lá, lado a lado das pretas. É preciso muita dedicação.
Na prática, lidar com os imprevistos também é preciso: infelizmente não tivemos a prometida cultural com Dj Preta One que adoeceu; a internet que no início não colaborou e a chuva que caiu no primeiro dia foram algumas das coisas que nos deixou de orelha em pé. Mas tudo teve final feliz e se apesar disso, tivemos êxito nos processos.
Muitas pretas lamentaram não puder participar da oficina de auto cuidado, facilitada no domingo pela manhã, o que nos leva a aprender mais uma lição: começar um pouco mais tarde as atividades importantes, principalmente aquelas que buscamos e temos mais necessidade – inclusive ficou o desejo de realizarmos mais oficinas de auto cuidado!
O desejo de nos encontrar mais foi revelado em cada cumprimento: em todas as oficinas, em todos os momentos as mulheres negras repetiam quase que como um mantra: precisamos continuar nos encontrando, falando de nós, conosco e para nós. Foi inebriante, realizador, revigorante e feliz demais estar junto de vocês, pretas. Obrigada por acreditarem.
AGRADECIMENTOS
Em especial a Charô Nunes e Maria Rita Casagrande que sempre acreditaram nesse sonho, que são as companheiras do dia a dia, as duas pretas que colocam as coisas no trilho e não nos deixa desistir. Obrigada de coração, irmãs.
Em nome das Blogueiras Negras, agradecemos a cada preta que acreditou, que compareceu e dedicou seu fim de semana para dividir com a gente seu conhecimento, sua experiência e suas histórias; obrigada por confiar e fazer do I Encontrão Recife o sucesso que foi.
Agradecemos ao Instituto Avon, Fundo Elas por acreditar e incentivar a realização desse nosso sonho. Ao e Museu da Abolição, Sos Corpo, Coletivo Afronte, Padaria Mutti, Hotel Mercure, Mulheres do MOE (Movimento Ocupe Estelita), Cores Femininas por acreditar e chegar junto nas parcerias e construções.
A dedicação, esforço, contribuição e ensinamentos das oficineiras convidadas: Janaína Esmeraldo no Fanzine, Jéssica Ipolito na Escrita Criativa, Lady Lay no Rap e Poesia, Mônica Oliveira no Feminismo Negro, Rayza Oliveira no Audiovisual, Roselma Mendes na Segurança na Rede e Sueide Kintê no Blog. Obrigada pelos dias de aprendizado constante!
E nominalmente, as companheiras que colaram e não desistiram: Beca Nascimento, Késia Salgado, Célia Ferreira, Manoela Barros, Jaqueline Pinheiro, Cecília Cuentro, Ju Dolores.
PASSANDO A BOLA
E com as experiências e lições aprendidas, seguimos rumo a São Paulo: dias 19 e 20 de novembro estaremos juntas mais uma vez, unidas em torno da troca de experiências e aprendizado no I Encontrão Blogueiras Negras São Paulo – combate a violência contra as mulheres. Algumas pretas incríveis já confirmaram presença e estamos correndo para que seja lindo tanto quanto – ou mais – Recife.
Preste atenção nas inscrições, fique atenta ao lugar e prepare-se para um banho de afrotamento, negritude e lágrimas de felicidade. Até mais ver!
Fotógrafa: Nathália Cavalcanti