Com a suposição de que hoje, para que não haja “barulho”, no mínimo, tem que haver uma pautinha na editoria de moda e beleza sobre mulheres negras por semana, às vezes fico imaginando como borbulham as mentes nas redações para variar se será uma galeria sobre as blogueiras negras que estão bombando com seus looks inspiradores, um guia de make para pele negra, aquele editorial de lingerie de várias cores de pele ou, as 5 maneiras de amarrar o turbante, (muitas vezes ilustradas por mulheres brancas). Tem que ter pauta de moda e beleza de mulheres negras? Tem, deve! Mas somos mais do que o assunto temático.Com a suposição de que hoje, para que não haja “barulho”, no mínimo, tem que haver uma pautinha na editoria de moda e beleza sobre mulheres negras por semana, às vezes fico imaginando como borbulham as mentes nas redações para variar se será uma galeria sobre as blogueiras negras que estão bombando com seus looks inspiradores, um guia de make para pele negra, aquele editorial de lingerie de várias cores de pele ou, as 5 maneiras de amarrar o turbante, (muitas vezes ilustradas por mulheres brancas).
Com um grande detalhe, só somos parte do temático hoje porque está impossível ignorar toda essa estética e identidade negra da geração Tombamento. Vale dizer também, que estamos nos aproximando de novembro e, em geral, próximo ao dia 20, temos as famosas pautas periódicas, sobre as condições de vida do negro brasileiro, como se falar sobre isso apenas neste mês superasse o restante do ano. Afinal, a invisibilidade do povo preto sempre foi parte da pauta dos veículos, não como narrativa, mas como ausência estrutural. Presente nas entrelinhas da negligência.
Quando mais do que exceção, seremos parte da regra? Seremos o cotidiano? Nos veremos nas pautas de economia, política, decoração, educação, esporte e saúde? A infeliz realidade hoje é que nem sequer temos noticiado as condições alarmantes de desigualdade social atreladas ao racismo neste país e a mídia é só mais uma delas.
O lugar da vida, imagem e conceito da mulher negra na sociedade deveria ser parte de variadas pautas e não apenas as ligadas a sua cor de pele, fenótipo e beleza. Deveríamos poder ser fonte da matéria, a jornalista que escreve, a editora e a modelo da foto…
Apesar de subjetivo, elementos que não falam diretamente da cor da pele estão atrelados a ela. Neste sentido, passei, do dia 24 ao dia 28 de outubro, acompanhando algumas editorias de portais de notícias para ver a presença da mulher negra, ou não, como fonte. Destaco que nesta semana, Ellen Oléria foi pauta em diversos veículos ao desfilar para Lab Fantasma, na estreia da marca na SPFW, igualmente noticiados nos portais. Uma AFROnta à estrutura europeia dos desfiles de Moda!
Neste período, escolhi olhar os destaques da home do Uol e as pautas da MdeMulher. O propósito foi tecer uma reflexão sobre a frequência com que a imagem da mulher negra foi apresentada. Vejamos:
Do dia 24 ao dia 28 de outubro, pude constatar o quanto a home do Uol destaca, em sua maioria, apenas imagens de pessoas brancas. Na editoria de Economia, por exemplo, tive que ir além das datas que determinei para achar a última matéria do portal com aspa negra, que aconteceu no dia 10 de outubro, com a Oprah Winfrey, em “7 conselhos de carreira de Oprah Winfrey, Bill Gates e outros bilionários”, da InfoMoney. Isso não significa que os outros portais não possuam a mesma prática, somente que não pude analisar todos eles de uma vez.
No dia 25 e 26 de outubro, na home da MdeMulher lá estávamos nós no temático. No dia 25 em TV e Famosos, com a manchete “12 séries protagonizadas por negros para assistir JÁ” e no dia 26 em beleza, com “Teyonah Parris: conheça a rainha absoluta dos penteados afro”. A incrível Larissa Conegundes foi destaque na home na chamada para “O que as fashionistas escolheram usar no terceiro dia de SPFW”, no mesmo dia.
Neste período, uma necessária matéria sobre equidade de gênero nos salários espelhada na home da M de Mulher, da Claudia, mas, nenhuma presença negra. Apesar da mulher negra ganhar menos de 40% do que homem branco no Brasil, (Ministério do Trabalho e Previdência Social, MTPS e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea).
Na mesma semana, a TV UOL fez uma reportagem sobre o projeto social Plano de Menina, do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo. Procurei bastante para achar a matéria, está ótima, falando sobre mulheres negras e periféricas. Já a M de Mullher, fez uma pauta sobre o canal da Paloma Cipriano, que ensina serviços de obras.
No dia 27 a M de Mulher fez uma matéria sobre cabelos curtinhos, “Ideias fáceis de penteados para cabelos bem curtinhos”, com diversos vídeos com tutoriais. Rolando a página do site, a presença negra veio com a chamada, “Crespos e cacheados, não esquecemos”. Deve ter um Post It com o lembrete “Não esqueça do cabelo crespo e cacheado. Vai dar barulho!”
No último dia da minha jornada pra escrever esse texto, o Uol destacou uma matéria da Folha de S. Paulo, “Nove pessoas são mortas por policiais a cada dia no país”, dado alarmante, diretamente atrelado a vida das negras e negros, mesmo que não expresso na pauta, somos os que mais morrem. O site Também espelhou uma pauta do Observatório do Cinema, sobre a série negra norte-americana, As Visões da Raven, “As Visões da Raven. Veja como os membros do elenco estão hoje”.
Em geral, não estamos presentes em quase nada fora das temáticas semanais de beleza, moda e/ou quando o assunto é especificamente mulher negra. No dia a dia, ao ler matérias você nota ausência, mas quando você se dedica à procurar a presença da mulher negra o tombo é ainda maior. E, caso por um erro, tenha passado uma pauta ou outra despercebida por mim, tenho certeza que mesmo assim, não foi o suficiente.
Eu também sou jornalista, uma mulher negra e jornalista. Não aprendemos na faculdade que a melhor fonte é a fonte de pele branca, ao menos não tive essa aula, mas também nada se fala sobre a problemática. A questão aqui é estrutural, representa o que é sinônimo de saúde para sua pauta de bem estar, o que é referencial de inteligência para sua pauta de economia, política e educação, o que é parâmetro para sua pauta de Entretenimento.
Somos mais do que a pauta temática da semanaNo jornalismo, essa ausência além de ser reflexo, traz muitos problemas para sociedade. Quando o assunto é mulher, a ausência de outras mulheres, além da mulher branca, tornam as notícias enviesadas. Tudo parece tão natural que uma home com mais de cinquenta destaques, com zero, ou quase nenhuma imagem negra, passa despercebido no dia a dia das redações. Entreviste uma mulher negra, contrate uma jornalista negra. Somos mais do que a pauta temática da semana.