Por Cidinha da Silva para as Blogueiras Negras
Madá (Ana Luíza Alves) e Elias (Cauê Campos) são minhas crianças queridas em Lado a lado. É muito bonita a amizade deles. Também o é a irmandade de Olavo (Jorge Amorim) e Elias, mas tenho a sensação de que Cauê e Ana Luíza conseguiram superar o naturalismo de interpretação permitido e/ou incentivado em atrizes e atores mirins, e passaram ao estágio de construção de personagens.
É deliciosa a maneira como Ana Luiza dá vida à Madá que, desde pequena, entende que precisará ser esperta e desembaraçada para driblar os limites sociais impostos às mulheres. Ela adquire essa qualidade e consegue manter a ternura infantil. Vejo ali uma atriz promissora.
Cauê Campos, em que pese toda a simpatia que nos inspira seu Elias, floresceu mesmo como ator quando Elias saiu das garras de familiares postiços e cruéis, para os braços de mãe e tia paterna amorosas.
Vilmar (Márcio Rangel) é um personagem muito interessante. Ele não é mau por índole (crianças não são más por nascimento), é por imitação e manipulação. Ele imita os modelos da tia Berenice (Sheron Menezzes) e da mãe, Zenaide, a maravilhosa Ana Carbatti, no afã de conquistar pequenas vantagens frente aos irmãos e a aprovação da mãe. Para complementar a formação negativa de seu caráter, Vilmar é manipulado por Caniço (Marcello Melo Jr.) que o transforma em pequeno auxiliar para falcatruas e crimes.
Sou fã de Ana Carbatti, adoro atrizes assim, plenas de recursos que dão volume a personagens pequenos e por sua magnitude interpretativa exigem mais espaço na trama. Espero ter a graça de vê-la mais amiúde na telinha.
Tia Jurema é um arquétipo fundamental da narrativa. Ela representa aquelas mulheres que, pela espiritualidade e pelo sentido prático para cuidar da vida, constituíram o esteio do povo negro no pós-escravidão. É muito gratificante ter vivido para ver Zezeh Barbosa interpretando uma personagem desta envergadura, emprestando-lhe vigor, sinceridade e verossimilhança a cada capítulo.
Milton Gonçalves no papel do velho Afonso dá vida ao camaleão que todo grande ator é. Recentemente o vimos como coronel de polícia em um seriado global de ação, depois como babalorixá (elegantíssimo) na comissão de frente do carnaval da Portela. Agora, ele nos faz acreditar que é velhinho com dificuldades até para andar. E o ator tarimbado dá a Afonso a interpretação comedida que o personagem pede. Discreta e eficaz foi também a caracterização de Alberto Assumpção, feita por Werner Schunemann e as cenas finais foram ótimas, violentas sem qualquer tipo de agressão física à Constância (Patrícia Pillar) desmascarada.
Diferente dos rapazes secundários da trama, as moças, Sandra (Priscila Sol), Gilda (Jurema Reis) e Fátima (Juliana Knust) foram muito bem. As um pouco mais velhas idem: Margarida (Bia Seidl), Teresa (Susana Ribeiro), Neusinha (Maria Clara Gueiros), Diva Celeste (Maria Padilha), Etelvina (Laís Vieira), Celinha (Isabela Garcia) fizeram crescer suas respectivas personagens.
Álamo Facó (Quequé), Mário (Paulo Betti), Guerra (Emílio de Mello), Padre Olegário (Cláudio Tovar) e Praxedes (Guilherme Piva) também mandaram bem, embora o delegado fosse mais interessante quando fogoso, na primeira parte da novela. Depois do nascimento do filho, a vida sexual do casal Teresa-Praxedes esfriou muito. Adoro Tuca Andrada e Caio Blat, mas os dois não me convenceram nos papéis de Frederico e Fernando.
Thiago Fragoso (Edgar) é muito simpático, não consigo dizer mais. Marjorie Estiano (Laura), ao contrário, cresceu a cada capítulo, conferiu dramaticidade ao conflito de Laura entre a ética e o amor pela família, pelo marido, pela melhor amiga.
Zé Maria é mais um dos ótimos personagens interpretados por Lázaro Ramos depois do memorável Madame Satã. Um homem negro belo, ético, exemplar, trabalhador, aberto para crescer e aprender, companheiro, solidário, capoeirista de cintura mole, sabe dançar. Ufa! Um herói! Zé encarna contraponto exacerbado a toda estereotipia dos homens negros feita ao longo de décadas de teledramaturgia no Brasil. Ele simboliza a volta por cima, a vingança do homem negro de masculinidade humilhada, de humanidade pisoteada. Lázaro foi escudado por dois ótimos atores, César Mello, o doce, belo e sensível Chico, e Jhe Oliveira, o marujo que se opôs a Zé Maria durante a Revolta da Chibata. Os três protagonizaram cenas altivas, talvez inéditas, para homens negros nas telenovelas.
Isabel (Camila Pitanga) é a mulher bela, empreendedora, arrojada, competente, perspicaz, realizadora de sonhos, seus e de outras mulheres. Mãe amorosa e lutadora, aquela com nome e postura de redentora, responsável por resgatar e promover a humanidade da mulher negra brasileira. É quase perfeita, só se perdeu quando julgou saber o que era melhor para Zé Maria e assim prescindiu do amor do herói. Camila é atriz imensa, uma das melhores de sua geração, herdeira de Fernanda Montenegro, Bibi Ferreira, Marília Pêra.
Constância é a segunda vilã loira, perfeitamente interpretada por Patrícia Pillar. Ela talvez tenha sido a atriz que mais ajudou a diversificar o perfil das vilãs, sempre morenas, antes dela. Tenho a sensação de que as pessoas não odeiam Constância. A baronesa asquerosa tem tudo para ser detestada como um verme destrutivo, mas a interpretação de Patrícia é tão majestosa, tão envolvente, que a gente torce pela atriz e espera a próxima cena para ver Constância fazendo as maldades mais inomináveis e indescritíveis em nome do amor, enquanto mexe naqueles colares longos e delicados, seu principal adereço. Arriscaria dizer que Patrícia Pillar está tão fantástica e convincente no trabalho de atriz em Lado a lado, que consegue o improvável, ela humaniza Constância, a mulher que interna a própria filha num sanatório por tê-la contrariado.
Um páreo duro entre Camila Pitanga e Patrícia Pillar foi travado nessa novela. Duas atrizes monumentais, mas arriscaria dizer que Isabel, muitíssimo bem interpretada por Camila, é a personagem que nos convence pela admiração. Camila não foi menor do que Patrícia, mas a atriz que deu vida à megera Constância foi simplesmente irresistível, arrebatadora, incontestável, como o Fluminense de 2012.