Lesbianidade negra e a dificuldade de encontrar semelhantes

Desde a minha adolescência, sempre me senti muito diferente das minhas amigas e colegas da escola e do prédio. Não sabia muito bem o motivo, sempre andava com os moleques, jogava bola, ia pro telhado empinar pipa. E quando me descobri lésbica, e até hoje, ainda tenho uma enorme dificuldade em me sentir representada e de encontrar mulheres semelhantes a mim.

Adolescente, sem aquele baque da ideia de representação, me lembro da única personagem lésbica que eu sabia: Bette Porter, no The L Word. Mas no meu inconsciente, a personagem branca dos olhos verdes, que não era adepta a monogamia e que fazia tudo errado, era a minha paixão platônica, minha admiração e, olhando bem por cima, é o que vejo na grande maioria das lésbicas que encontro pela rua. Algumas Shanes de diferentes alturas, histórias e escolhas. Mas a referência é basicamente a mesma.

E sempre foi muito raro encontrar alguma lésbica negra no rolê. Mesmo nos tempos mais pesados da Augusta, onde nunca faltou diversidade, eu só conhecia lésbicas brancas, mulheres incríveis e sábias, mas comecei a me perguntar muito mais sobre as lésbicas negras. E, recentemente, depois de uma publicação de Jéssica Hipólito indagando onde é que estão as lésbicas negras de São Paulo, voltei a refletir sobre minha procura por todo esse tempo.

6ac1a72777db4a233f53f283751251f1

E, realmente, reforço a pergunta da Jéssica: ONDE ESTÃO AS SAPAS PRETAS? Por meio de espaços de empoderamento, me aproximei de lésbicas negras maravilhosas e admiro cada passo que cada uma delas dá, mas perto da quantidade de mulheres que conheço, elas são tão poucas! Me pergunto se sou eu que estou nos lugares errados, se as lésbicas pretas preferem ficar em suas casas por, muito provavelmente, lesbofobia (aliada ao racismo) ou, quem sabe, por apenas gostarem mais de ficar em casa.

O Largo do Arouche, por exemplo. Uma tremenda referência. Se não for o bastante podemos passar pro Vermont, que é ali do lado e tem uma concentração de lésbicas que eu fico super animada. Mas, passando por ali, a enorme maioria é branca e a maioria das pessoas negras que você consegue ver é homem. Fico chateada, pra ser sincera.

Questiono, então, o que levaria as lésbicas negras saírem às ruas e dominarem os espaços que nos é de direito. O que nos levaria a amarmos nossas companheiras, parceiras, namoradas publicamente? Vamos dominar as ruas, mulheres! Vamos mostrar que nosso amor não deve NUNCA ser fetichizado, rebaixado, ser considerado como uma fase ou maluquice. Nossos direitos PRECISAM ser respeitados e nós precisamos ocupar nosso lugar, que é onde a gente quiser.

“When we speake we are afraid our words will not be heard or welcomed. But when we are silent, we are still afraid. So it is better to speak”.

Audre Lorde

16 comments
  1. Pow amei o texto, na verdade me vi nele, acho q seria legal criar um evento só com mulheres negras, acho q seria massa beijos
    Pra qualquer contato, podem me procurar no face : Fabricia Canutto

  2. Imagino que seja mais por uma razão social, menor poder aquisitivo. Na minha cidade nos points, só tem mulheres brancas e muito bem apresentáveis. Mas como trabalho com população carente, observei que nesse meio há muitas lésbicas negras. E me faz pensar que as vezes não é uma preferência “ficar em casa”, em muitos casos é o Não ter condição de sair e gastar um dinheiro que não se tem!

    1. Tenho percebido isso também, Ana. Depois do seu comentário ficou muito mais evidente pra mim. Mas ainda considero que conheço poucas lésbicas negras, que estão felizmente crescendo!

  3. Em tempo, alguém aí ficou de postar um tópico sobre amor interracial entre lésbicas ou mesmo a busca pelo amor entre lésbicas E bissexuais (o que fatalmente englobaria a questão inter-racial) e até agora nada!! Eu ainda estou curiosa pra ler…(acho que era a Maria Rita, que aliás a encontrei na Caminhada, hehehehe) outra observação que queria fazer,( mas deixo claro que é algo bem pessoal), se é tão difícil encontrar negras no meio e a maioria é branca…, então pq só as negras me procuram? kkkk! Eu sinceramente acho que há bastante negras sim no meio, moro em Sampa, e sem querer ofender, mas já notei que o mundo lésbico reúne por si só, subgrupos que automaticamente sofrem preconceito, como negras, obesas ou pessoas um pouco acima do peso e com uma beleza “mediana”, meio considerada fora dos padrões, sem contar as mais masculinizadas, e não acho que seja por acaso que todas estejam num único grupo…e por que não, as bissexuais também, já que também gostam de mulheres, mas acabam marginalizadas pelas lésbicas por curtir homens também, mas quis dizer que entre elas, há negras e gordinhas também!

    Sei que muitas discordam, mas eu pessoalmente não curto o termo “preta”, me soa muito pesado, mesmo sendo de uma maneira afetiva para com as sisters, prefiro “negra” ou “nega”.

    Bem, deixo aqui registrada minha vontade de ver esse tópico sobre relacionamento ente brancas e negras e ouvir um pouquinho das experiências das demais leitoras.

  4. Sou negra sou lésbica moro em Salvador uma cidade formada por uma maioria de negros, mas só tenho uma única amiga lésbica negra, as outras todas são brancas, nos espaços que raramente frequento também só há brancas, se em Salvador onde a população é predominantemente negra encontrar lésbicas negras está difícil imagina em outros estados, não consegui entender ainda o porque disso assim como você e a Jéssica que também escreveu sobre essa busca já me peguei pensando nos motivos e não consegui chegar a uma resposta, possa ser que seja mesmo medo dessa coisa de aliar a lesbofobia ao racismo porque de verdade a coisa fica mesmo mais complicada pra gente, já ouvi coisas do tipo além de preta ainda é sapatona, só por ai já da pra ter uma ideia de como é complicado lidar com tudo isso, sem contar que muita coisa fica diferente quando se é negra e lésbica, as paqueras diminuem, os comentários aumentam e o contato fica mais difícil, o problema que eu vejo é que até as lésbicas fazem distinção pela cor da pele.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

You May Also Like

Ninguém sobrevive à violência sexual

Um estupro não termina quando o agressor larga os nossos corpos, ele continua quando não acreditam em nossos relatos, quando duvidam da nossa dor, quando não lutam pelo fim do machismo na sociedade, quando insinuam que nossos corpos existem para serem consumidos, quando nos negam a possessão de nossos próprios corpos e quando tentam nos calar. O machismo mata todos os dias.
Imagem: antifluor, flickr.
Leia mais

Um olhar sobre o machismo e as consequências em saúde para militantes negras

Estou escrevendo sobre isso porque hoje, aos 33 anos, sei que a minha reconciliação com minha mãe e tias somente foi possível a partir deste aprendizado no movimento negro. Ouvindo com atenção as mulheres negras, curando-me de mágoas e repensando politicamente minhas relações afetivas com as demais mulheres. Lembro-me que desde os meus 13 anos, passando pelos 15, minhas tias, devido às alianças com seus seduzidos companheiros pela minha adolescência negra, me isolavam do convívio mútuo, não falavam comigo, ainda que a oralidade e a roda de diálogos sejam expressões singulares africanas, inclusive na diáspora, como terapia comunitária e reconstrução da espiritualidade e das emoções.