Imagem: Helida Costa
Certa vez, uma Preta Velha me disse: “Vocês têm muita pressa enquanto estão no mundo dos vivos”. Suas palavras ressoaram em mim e, desde então, comecei a observar melhor nossos comportamentos. Aos poucos, compreendi o que ela queria dizer. Temos pressa para crescer, mas depois nos queixamos da vida adulta. Temos pressa para casar, e logo reclamamos das escolhas que fizemos. Corremos para ter filhos e, quando os temos, lamentamos o trabalho que dão. Quem pode fazer essa escolha precisa se lembrar de que ter filhos é um compromisso para a vida toda; mesmo adultos, ainda nos trazem preocupações.
Na nossa ânsia de realizar sonhos, esquecemos de apreciar o caminho. Acreditamos que a felicidade nos espera no pote de ouro ao fim do arco-íris. Mas a Preta Velha me ensinou algo mais profundo: a felicidade nos encontra ao longo do processo. Ela está nos dias em que, apesar da correria, olhamos para o lado e percebemos o quão longe já chegamos. Está nos momentos em que encontramos as pessoas que amamos e passamos horas ao lado delas, jogando conversa fora ou desabafando. No meu caso, a felicidade é saber que hoje nenhum membro da minha família passará fome.
A sabedoria dela me mostrou que a vida não se trata de pressa, mas de presença. E desde então, me pergunto: como tenho me feito presente nos meus momentos de felicidade? Como posso afinar meu olhar para enxergar esses instantes e valorizá-los, talvez até mais do que os momentos difíceis?
Quantas vezes deixamos nossas conquistas passarem sem celebração, acreditando que são apenas parte do caminho e não o destino? Falo aqui de conquistas que vão desde o simples ato de levantar da cama e encarar o mundo, até ser aprovada/o em um processo seletivo. São momentos que, embora pequenos aos olhos da pressa, são imensos aos olhos da presença.
Talvez a grande questão seja aprender a saborear as conquistas, por menores que pareçam, e perceber que nelas também reside o sentido da nossa jornada. Nos ritmos acelerados do ocidente moderno, corremos para alcançar nossos sonhos, tão ansiosos que perdemos de vista a beleza dos momentos ao longo do caminho. Nosso frenesi nos cega. Contudo, a verdade é que alguns sonhos são sementes que germinarão nas mãos das gerações futuras. Devemos, então, nutri-los com cuidado, para que as esperanças que virão floresçam com força. Apenas ao cultivar essa esperança e compreender que a felicidade reside na jornada, podemos legar aos nossos descendentes o sonho que um dia foi nosso.
O sonho de que falo aqui é a nossa constante busca pela democratização deste país, um sonho que atravessou o Atlântico no coração de milhares de africanas e africanos sequestradas/os, desumanizadas/os, arrancadas/os de suas terras, de suas famílias e, talvez por instantes, até de sua fé. Essas pessoas lutaram bravamente por quase quatro séculos pela sua liberdade. E, passados 136 anos da abolição, ainda continuamos lutando pelo direito de existir.
Sabemos que os últimos dias não foram fáceis. Em alguns momentos, a desesperança pousou ao nosso lado, tentando nos lembrar que não somos nós quem mandamos no jogo. Mas resistimos desde o primeiro dia, e assim devemos continuar. “Nossos passos vêm de longe”, e, ao segui-los, somos sementes que germinarão nas mãos das gerações que estão por vir.
Edição: Wellington Silva