Nada parece adiantar, nada fará com que essa noite seja tranquila para toda e cada uma das mulheres negras desse país. Algumas de nós já estão reunidas, seja virtual ou presencialmente. Outras, acompanham sozinhas as notícias com perplexidade. Muitas já estão organizadas para o dia de amanhã que logo será hoje.
Estamos em vigília, rezamos, choramos, pedimos ao sagrado. Nossos olhos choram a dor que é de todas, irmanadas como mulheres negras por um luto que tem nome, circunstâncias revoltantes, uma crueldade própria aos acontecimentos que a gente vê acontecer mas não acredita. Mais um assassinato. Temos dor mas nosso coração agora queima pelo genocídio da mulher negra, saibam senhores, esse sentimento não será enterrado. Ele sempre foi luta.
#MariellePresente
Enquanto acontece essa vigília que nenhuma de nós sequer suporta ou imagina, a grande imprensa televisiva tece uma trama bem amarrada para justificar e naturalizar o golpe que anda a galope e “explicar” o assassinato de Marielle Franco. Cada minuto da programação parece e certamente foi bem estudada, com um requinte de detalhes. Causam nada menos que nojo e ao mesmo tempo demonstram o tamanho de nossa luta como mulheres negras, cidadãs e comunicadoras.
Primeiro pela violência concreta em si, com a perda do lugar de Marielle Franco como intelectual, companheira, amiga, militante, política. Não é coisa trivial. E aqui nossa solidariedade aos familiares e mais próximos, também de Anderson Pedro Gomes. Que todos os voduns, inquices, orixás e encantados possam amparar todos os corações e preces nesse momento. O legado e o nome de Marielle Franco não será esquecido.
Ficamos revoltadas mas sabemos, uma mulher negra que não se cala, inspira e move estruturas políticas não será bem-vinda pela branquitude afinal sua mensagem era a própria revolução, seu testemunho de luta! Algo por demais perigoso, cujas consequências conhecemos muito bem, liberdade! Oh liberdade, é por ti e pela certeza de que sempre haverá uma e mais uma mulher negra que se negará a obedecer o comando de recuar que seguimos!
Uma das últimas mensagens dessa guerreira fala sobre território, uma das maiores disputas que temos travado desde pelo menos 1850, se quisermos assinalar um dos marcos temporais mais importantes dessa luta. Marielle Franco era incansável, sua batalha era a de todas nós, intelectuais, comunicadoras, jornalistas, estudantes, mães, periféricas, mulheres, negras…
Precisamos gritar para que todos saibam o está acontecendo em Acari nesse momento. O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari. Nessa semana dois jovens foram mortos e jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior.
Sabemos que não foi assalto, assim como a intervenção militar não é pacífica e sem intenção. Marielle Franco era perigosa porque denunciava o modo operante maquiavélico que o golpe assume agora, de um cinismo sem precedentes, e a lupa que direciona especialmente para a população negra. Para a mulher negra que não aceita, que não cala, que não se ajoelha, que ate fragiliza mas sempre se ergue diante das dificuldades.
A taxa dos Correios para pagar pela “insegurança” de alguns bairros e que seria uma grande brecha para discriminar gente preta em função do seu território, o fichamento de moradores das comunidades sob intervenção militar, as reformas da previdência. Marielle Franco era perigosa porque nos fazia construir um pensamento crítico e livre sobre esse panorama, apresentando como alternativa a organização política.
Não por acaso seu assassinato tem sido noticiado de forma sensacionalista. Jornalistas insinuam discreta revolta, imparcialidade e surpresa, como se não fossem responsáveis também por esse crime, insistindo na narrativa de que foi um assalto sem contexto específico. Como se não estivéssemos falando de uma das vereadoras mais votadas do Rio, como se não fosse uma mulher preta em luta.
Amanhã nossos olhos estarão cheios de grãos de areia, mareados e ardendo. E apesar disso ainda nos oferecem relatórios explicando como milícias estão controlando o estado carioca para em seguida noticiar o assassinato de Marielle Franco. Com a nossa pressão nas redes e em virtude dos protestos, a polícia e os jornalistas começam a falar em assassinato.
Não aceitamos o discurso de que foi um assalto. Respeitem a memória de nossa guerreira, respeitem cada mulher negra assassinada nesse país pela mão da branquitude. Que o mundo saiba que esse gatilho não foi a milícia quem puxou, não foi a “insegurança”. Nós sabemos que a violência direcionada a cada uma de nós é toda racismo institucional e mais uma vez as circunstâncias não nos deixam ter dúvidas.
Isso obviamente coloca em xeque todas da estruturas que hoje oprimem o povo preto.
Foi assassinato.
Foi assassinato.
Foi assassinato.
E vamos cobrar justiça até as últimas consequências.
Nós somos um exército.
#MariellePresente
Imagem de destaque – O dia.