Durante esses quase três anos morando longe do Nordeste, a dor e a alegria da saudade fazem questão de vir me visitar todos os dias. Morei em diversos estados do Nordeste. Em 7 de 9, para ser mais exata. Longe de ser turismo, era a velha e tão conhecida corrida contra a fome. Em busca de emprego e em busca da tão famosa e desconhecida melhoria de vida, que até hoje tenho como meta conhecer.
Começo esse texto dizendo que sou uma apaixonada pelo nosso folclore e todas as nossas tradições. Ah, as tradições… os nossos cordéis, as rendas, os bacamarteiros, as cerâmicas, os repentes, as bandas de pífanos, as comidas e bebidas típicas, as quadrilhas juninas… essa que fiz parte durante longos 22 anos. Comecei aos 2 anos nas quadrilhas juninas, desde as de escolinha até as mais profissionais, dessas que competem em grandes festivais e que são reconhecidas nacionalmente. Para a gente, essa última é coisa séria, famílias sobrevivem desses festivais de quadrilha. É o que move a economia de alguns lugares dessa festa que é só nossa, que, diferente do que pensam, não se restringe aos meses de junho. São meses de preparação, de ensaios, de cuidados milimetricamente calculados. São passos, roupas, penteados, risos e lágrimas. Quando acaba, fica aquela sensação de dever cumprido. Logo em seguida começa tudo de novo, num verdadeiro “looping” perfeito e alegre que acontece todos os anos, com músicas, roupas e sensações que arrisco dizer, sem medo algum de errar, são únicos e verdadeiramente perfeitos.
Ai, saudade… Sinto saudade da vida do interior e da cidade, da roça e roçado, da colheita, do cheiro de barro molhado, do cuscuz quentinho com ovo, do barulho da vassoura varrendo o quintal, da comida cheia de tempero, da água que percorre a perna das mulheres que lavam suas roupas e louças à beira de riachos extensos e por vezes barrentos, do riso puro das crianças que se divertem sem brinquedos luxuosos, do corre-corre que terminava em escorregões, quedas e gargalhadas gostosas de ouvir, tudo isso acontecendo ao mesmo tempo. A vida não tinha touch e nem tinha tela. Era só essa coisa de troca. Troca viva. Troca humana. Troca de sentimento verdadeiro, vivo e presente.
No Nordeste existe uma rede de solidariedade funcionando a todo vapor entre a gente. Só quem é nordestino sabe o que eu estou dizendo. Essa coisa de rede, de trabalho coletivo, essa coisa pujante de solidariedade realmente existe e é muito verdadeira. Eu jamais seria capaz de explicar em palavras, tento expressar nas minhas ações nessa cidade cosmopolita tão cheia de nós. São muitas riquezas para testemunhar sobre essas múltiplas vivências que nós temos.
Antes de mais nada, também gostaria de incluir, nesse rol folclórico, os sofridos retirantes, que emigram das regiões Norte e Nordeste, fugindo da seca. Aliás, não é somente a seca a única responsável pelo êxodo, e aqui dou um destaque ao rural. Também é a falta de políticas públicas em um país cujo projeto de nação se concentra apenas do meio do país para baixo. É a falta de emprego, é a ausência de um olhar além do turístico, é a ausência de uma outra modalidade de sobrevivência e de valorização tanto do trabalhador rural como do urbano que acaba nos forçando a fazer esse movimento sofrido migratório de famílias inteiras ou divididas de seus locais de origem, na esperança de encontrarem um ambiente mais humano, nas regiões mais desenvolvidas (para não dizer investidas) do país. Bafejados pela sorte, com múltiplas riquezas prediais, econômicas e livres de sucessivos castigos da ausência de Estado.
Os meses de maio, junho e julho ainda são e continuarão sendo meses bem difíceis para mim. Ainda mais sendo uma retirante nordestina que carrega toda a nossa luta do lado desenvolvido do país. Não temos vergonha, temos muita luta carregada, enraizada e pulsante nos nove estados nordestinos.
Esse texto é só para falar sobre uma saudade interminável de alguém que vive nessa cidade cosmopolita, que, apesar de ter muito de nós, ainda não se pauta sobre e para nós.
De uma mulher nordestina morando aqui, na selva de pedras de São Paulo, ainda cercada de conterrâneos e pulsando muita luta sem esquecimento das nossas origens.