Das experiências que um livro pode proporcionar, poucas foram as vezes em que tive uma real identificação com a personagem! Antes mesmo das primeiras 20 páginas eu já estava completamente empática com o enredo de Americanah de Chimamanda.
Ifemelu (a personagem principal) Vive experiências profundas desde as mais singelas e triviais situações que passa enquanto Imigrante nos Estados Unidos.
A cada gesto externo ou introspecto se esconde, às vezes em nuances, uma realidade pouco falada, embora muito vivida!
Foi a sensação de não estar só que me trouxe até aqui! Fui tomada de uma espécie de irmandade ao compreender que existem muitas pessoas que sentem exatamente como eu e Ifemelu. Me sinto no dever de estender minhas palavras em direção a minha pátria; os Despatriados!
Nunca levei a sério o patriotismo e continuo não levando, o que sinto pelo meu País de origem é um profundo amor pelo povo e respeito a nossa história! Não acredito em fronteiras e procuro ignora-las; elas estão lá, mas finjo que nem sei…
Quando cheguei nos Estados Unidos pela primeira vez desci com minha família em Las vegas; uma rua comprida e brilhante, muita informação, muito pisca-pisca! Prédios exuberantes e letreiros e mais letreiros multicor e multi brilho para todos os lados.
Me surpreendi com a presença de mendigos contrastando tristemente com o tema da cidade ! Logo Meu corpo bixo sentiu o clima seco, bicho que veio de um lugar Tropical sentir o ar seco foi quase como estar em um habitat nada natural nos primeiros momentos.
Fomos de Nevada à Utah, mais ou menos 6h viajando de carro. Passamos por montanhas rochosas pitorescas e imponentes, mais uma vez meu corpo bixo sentia um misto de vislumbre e um medo agudo, um espanto gelado e misterioso diante daqueles rochedos, sua estrutura e algumas pontas cobertas por neve me causava arrepio e contemplação!
Um mês em Utah não foi o suficiente para acabar o misto de emoções diante das montanhas que faziam parte de todo o cenário em todos os lugares e em todos os cantos da pequeníssima cidade de Clearfield! Era abril, início de primavera e o sol deixava as montanhas e seus resquícios de neve ainda mais luminosos e hipnóticos.
Resolvemos passear a pé, o que seria perfeitamente natural no Brasil, mas não aqui nas regiões mais distantes dos grandes centros!
Falta de pessoas na rua, falta de grama natural, falta de gatos, falta de cachorros, falta de árvores naturalmente nascidas ali! As casas em sua grande maioria de madeira e gesso e os gramados postos de forma superficial e milimetricamente calculadas junto ao ar seco, onde não se sente nem cheiro de chuva (quando ela existe) completavam a nítida sensação de que estávamos a caminhar em uma cidade cinematográfica, fantasma; arquitetadamente perfeita, mas profundamente solitária! Chorei por dias!
Voltando ao romance; A narradora ao expor os primeiros momentos de Ifemelu com sua tia Uju que fora quem a recebeu nos estados Unidos, mostra de forma sutil o quão submissa sua tia tinha se tornado ao ponto de precisar esquecer suas raízes para obter sucesso…
Também mostra em leves golpes, desses que só servem a quem serviu o chapéu, como agora para a Tia Uju Ifemelu parecia insuficiente, o quanto ela se tornou ignorante. Para Tia Uju era óbvio que ela precisava saber como preparar salsichas americanas, independente de Ifemelu ser da Nigéria e só conhecer linguiças fritas!
Inacreditavelmente por um bom tempo me senti insuficiente. De alguma forma fui zerada, minhas leituras já não significavam, meus cursos de experiências de nada serviam, meu conhecimento estrangeiro (latino Americano) não tinha qualquer valor! Como se todo meu sistema tivesse que ser reiniciado apartir do momento em que pisei nos Eua.
Shiiiiiit Aqui na America não gritamos, seguramos as portas dos estabelecimentos para os demais e não pisamos na grama. Lembre-se aqui não é o Brasil: Aliás, O brasil é Da América Latina? Brasileiros Falam Espanhol certo? São parte das muitas questões que nos fazem quando dizemos que somos Brasileiros.
Mais que a falta de conhecimentos geográficos, sociais e políticos a respeitos de outros países, é a forma livre e aberta com que as pessoas declaram seu preconceito. Existe um enorme preconceito no Brasil eu sei disso, mas nunca tão sem amarras com o que encontro aqui, é como que já fizesse parte de tudo, aceito!
Sou Negra de pele Clara, Brasileira e falo português! Aqui não sou negra, não sou Norte Americana, também quando quieta perto dos Brancos Americanos não sou Hispânica (como classificam todos os que não são negros americanos, nem europeus), para o Branco Americano sou um ponto de interrogação aceitável até que pronuncie Thanks ou Sorry! Dado o sotaque sou uma espécie de mestiça Hispânica sei la de onde! Já para os Imigrantes da América Latina em geral de boca fechada sou Americana, uma espécie de mistura de negro Americano com Branca Americana, sou americana e nem sempre bem vinda, o que é compreensível dada a forma como de forma geral os imigrantes latinos são tratados por aqui! Suas poucas horas de lazer entre os intervalos de seus muitos empregos não os permite muitas formalidades…
Um dia fui parada pela polícia por conta de uma luzinha quebrada na parte traseira do carro; Eu estava sem carteira e sem o número de seguro do carro, o que é até mais grave que estar sem carteira.Não pagar seguro é IMPAGÁVEL, a não ser que tu pague a multa por não pagar! Mas estes são outros desastres monetários de segurança que conto em uma próxima oportunidade! Para me liberar o Policial precisou preencher uma ficha onde se deparou com a seguinte questão: Etnia? Notei que ele me olhava atentamente e preenchia a ficha. Quando fui ler o papel entre as opções Negro, Hispânico (?) e Branco ele ficou com a última. Ri!
Por sua vez o Negro Americano em sua maioria me despreza, na verdade eu que me sinto tão diminuída perto deles! Fui ao longo da vida mesmo entre os meus irmãos negros acostumada e me sentir inferior, menor, pequena. Já perceberam como o negro Brasileiro anda de cabeça Baixa?!
Não sou socióloga mas tenho meus palpites…
O negro no Brasil tem medo, sabe que sua pele carrega um estigma mentiroso de que somos bandidos, aprendemos a ter vergonha de algo que nunca fizemos! Não que o negro aqui nos estados Unidos não carregue este mesmo estigma, mas neste ponto são fortes, andam de cabeça erguida e olhos altivos! Verdade que com suas posturas de irmandade contribuem para segregação, separam os seus dos demais (brancos). Isto os fez mais fortes e por tanto destemidos. Entregam seu mais profundo desprezo a qualquer não negro que passar por eles! Não conquistaram o respeito, mas o Branco americano teme aqueles olhos presunçosos, esnobes e marrentos! Por isso por aqui é comum entrar em um walmart onde todos os funcionários são negros que atendem clientes negros em sua esmagadora maioria! Eu sinto vergonha por tanto tempo não ter sido tão segura e tão marrenta quanto eles…
Estereótipos não faltam; Mulheres negras são Raivosas, mal humoradas, briguentas, grosseiras! Ainda lembro do arrepio que senti ao ouvir tais expressões deliberadamente ditas a mim; Negra! Mas sabendo que esta liberdade se dava ao fato de que não me consideram negra por aqui! Mesmo com toda a exuberância e os culhões que homens e mulheres negras demonstram por aqui, a polícia continua matando o menino negro que brinca com o graveto na praça, algemando Senhoras que não demonstraram resistência no estacionamento do mercado e atirando em motoristas negros aparentemente suspeitos! Ainda lembro do primeiro aviso vindo de uma mulher branca em utah para mim: Não olhe direto para eles (Negros) eles não gostam!
Enfim O negro Americano anda de cabeça erguida e por respeito ou por medo, o Branco se ausenta, ou muda a direção do olhar…
Mas nada muda o Fato de eu ser por ignorância ou por preconceito uma despatriada, ora de boca fechada, ora pelo sotaque!
Aquém das questões de cor é engraçado como no País da Liberdade me sinto presa! Menos de duas semanas aqui já compreendi o porquê de o símbolo da Liberdade ser uma ESTÁTUA! Dias desses li um meme na internet onde existiam dois caminhos distintos e duas placas, uma para cada caminho; em uma lia-se LIBERDADE, noutra lia-se PARAÍSO!
Penso que todo o sistema Estadunidense é calcado em: Ou você quer liberdade, ou você quer segurança!
Fico ainda perplexa com leis que restringem o poder das pessoas sob seus próprios pátios, gramados e vida! Conhecemos um senhor que foi ameaçado de ter seu carro guinchado por estacionar na grama do pátio de seu velho pai!
E por falar em gramado, verde, pasto posto e arquitetado! Não posso mal dizer uma nação por questões políticas e sociais que são frutos de uma cultura de guerras de poder a qualquer preço e um patriotismo quase que doentio pelo pai EUA que garante os preços baixos e as mais belas e atraentes bugigangas feitas na china junto com as redes baratíssimas de fast Food! O leal americano acredita em outro paraíso; o do acesso a isso tudo!
Em geral (existem exceções) os americanos são inocentes ao ponto de acreditar que o trabalho escravo terceirizado por países periféricos a Grandes empresas Americanas são uma benção. Grande benção geradora de empregos naquele país Miserável! Eles Aguentam, eles Precisam Aguentar!
Ingênuos ao ponto de pensar que porque pagam seus impostos, limpam seus pátios e mantém seus filhos regularmente na Escola, o Bom Pai nunca irá Traí-los!
E continuam Felizes e orgulhosos por sua boa educação de quem não Pisa JAMAIS na grama verde e falsa, posta de maneira artificial na frente de seus Lares, suas Pátrias!
Ifemelu e Eu, duas despatriadas em busca da Empatia de outros Despatriados!
Notas: Gostaria não ser necessária a explanação, mas dentro das linhas do politicamente correto se faz necessário dizer: O texto traz MINHA visão honesta e PESSOAL sobre esses assuntos! Talvez possam vir outros sob outras óticas, talvez mais planos, talvez ainda mais profundos… Também preciso dizer que estou pouco além das 100 primeiras páginas da trama ‘’Americanah’’ de Chimamanda, veremos … I can’t