Tenho 32 anos e demorei muito para assumir que minha pele é negra, meu cabelo é negro, meus lábios são negros, meus olhos e minha alma é NEGRA!
Aos 11 anos de idade fui estudar em um colégio de uma comunidade onde moro aqui em São Paulo e ao entrar na sala de aula da 1º série Bem -te-vi, me deparei com quase todos da sala brancos, inclusive a Professora.
Entrei e procurei ao meu redor alguém que tivesse a mesma cor que a minha. Encontrei uma menina com aparência mais velha que eu cujo nome era Isabel. Fiz amizade e me sentia segura, sabia que não era a única “preta” da sala, ainda sim tinha medo, muito medo quando a professora me chamava para ir até a lousa, resolver as contas que ela colocava.Não gostava dessa parte, me sentia envergonhada, discriminada e violentada moralmente falando.
Fui crescendo e conhecendo novas pessoas, me interagindo com o mundo que também me pertence, mas que muitas vezes tive que brigar para ser aceita.
Lembro-me de um episódio onde foi um casal de fotógrafos na escola e o ensaio do momento era fotografar os alunos vestidos de Cowboy, para nós as meninas eles traziam um chapéu marrom e um colete cheio de franjas. Arrumávamos o cabelo e passávamos um batom meio rosa/vermelho, uma cor muito forte para crianças, mas enfim, nos meninos era apenas uma camisa branca com um colete escuro e o chapéu de cor preta.
Fotografavam todos e após o quadro ficar pronto eles vinham até a escola entregar a lembrança e colher o dinheiro.. Claro, para nossos pais aquilo era lindo e maravilhoso, mas para muitos não.
No dia do ensaio, meu cabelo por ser cacheado não estava em sua forma adequada de tratamento, em casa não tinha feijão e arroz para comer, não poderia me dar o luxo de ter meu cabelo hidratado e em seus perfeitos cachos. E ao ir para o ensaio, fui com ele armado, desarrumado, e ao colocar o chapéu, fui motivo de chacota pra sala toda. Claro, ele estava rebelde e não queria um chapéu prendendo-o, então saiu para os lados e como era pequena não tinha a astúcia de eu mesma arrumar, a moça que era assistente da fotógrafa também não tinha intimidade com um cabelo daquele “nipe” e por conta disso ele ficou daquele jeito mesmo e a foto foi tirada.
Fiz cara de choro e ao sair da sala me sentia a pior das criaturas, naquele momento queria ter o cabelo liso, a pele clara, ter boa roupa, bons sapatos, talvez um pouco de coragem e dignidade, mas até isso me faltava e assim fui vivendo a vida até chegar a fase adulta.
Fase essa que também não estava em preparação, mas me sai bem, aprendi a ver e olhar as pessoas com outros olhos e não chorar por ter o cabelo crespo, pelo contrário, olhar para a cara de quem falar que ele está “desgrenhado” e dizer: Não está não, ele é assim mesmo, pois sou negra e ele também é e exigimos respeito com nossa cor.
Hoje me orgulho do mundo o qual pertenço. Negra sim e com Muito Orgulho!
Imagem destacada: Turbante-se. Foto: Shai Andrade