Um dia desses recebi uma mensagem pelo Whatsapp. Dizia que eu tinha que ver um projeto de uma escola e recebi um monte de fotos. Naquele momento, estava assistindo a uma palestra e abri rapidamente as imagens. Eram cartazes de bonecas blackpower, muitos cartazes. Bom, não era exatamente novo. O crescimento do uso dos cabelos naturais, a valorização da estética negra, o crescimento de denúncias de racismo, mais visibilidade na mídia e nas redes sociais, as YouTubers Crespas e Cacheadas, enfim, todos esses fatores corroboram para que as escolas absorvam a abordagem dessas temáticas. Mas continuei a olhar. De repente, um cartaz faz os meus olhos brilharem: “Mulheres, empoderem-se!”
Imaginei, então, que ali havia algo diferente. Talvez, uma boa história para contar.
Então, vi com mais atenção as imagens.
Num outro cartaz, li: Numa sociedade que lucra com a nossa insegurança, gostar de si mesma é um ato de rebeldia. (colocar a imagem do cartaz)
Quase chorei. Defender a beleza da estética negra não é fácil. Quem detém o poder sobre a televisão, as revistas, os cosméticos, os postos de trabalho, os serviços governamentais defende um padrão de beleza relacionado ao fenótipo de pessoas brancas. Assim, esmagam a construção da autoestima e as possibilidades de valorização e amor-próprio de crianças negras. De fato, quando meninas e meninos negras/os dizem que gostam de si mesmas/os e de suas imagens, elas/es dizem que se rebelam contra a opressão de quem deseja torná-las/os inseguras/os e retirar delas/es a força de suas capacidades e a importância de sua beleza.
Atentamente, voltei à primeira foto. E ali estava o nome do projeto: Nenhuma a menos para sermos MAIS. Perguntei se tinha mais informações sobre o projeto e a amiga me mandou um vídeo.
Foi como se o céu se abrisse. Eu queria mostrar o vídeo/convite para todo mundo. Chorei quando soube que o projeto, desenvolvido em colégio do ensino fundamental, está alterando não só a vida das crianças, mas também das/os responsáveis – majoritariamente negras/os – que são convidadas/os para assistir a performance das/os filhas/os e a debater sobre as questões abordadas.
“Nenhuma a menos para sermos MAIS” trata do empoderamento feminino e de representatividade. Propõe a desconstrução de conceitos machistas da sociedade com foco na arte de brincar. Ao desconstruir a existência de brincadeiras de meninas e meninos, conceito de cores, afazeres domésticos, carreira profissional, as professoras colocam em debate o poder que a mulher pode e deve exercer na sociedade.
Eu fui até a Escola Municipal Ernesto Che Guevara, que fica na comunidade da Chatuba, município de Mesquita, Baixada Fluminense, Rio de Janeiro (veja ao lado, o retrato social de Queimados) conhecer essa experiência emocionante. A entrevista foi feita com três professoras, das oito que realizam o projeto, Ana Clara Donato, coordenadora pedagógica do primeiro segmento do ensino fundamental, Thaiza Veterinario e Yasmine Martins, professoras regente no primeiro segmento do ensino fundamental. Agradeço também a Suelem Santana por ter me colocado diante dessa iniciativa. Inspirem-se.
O que é o projeto Nenhuma a Menos para Sermos MAIS?
Thaiza Veterinário: Esse projeto propõe a desconstrução de conceitos machistas da sociedade com foco na arte de brincar. A gente quer desconstruir a ideia que existem brincadeiras de meninas e meninos, cores de meninas e meninos, que os afazeres domésticos são das meninas, que existem profissões de mulheres e de homens. E, assim, aos poucos, questionar os papéis de gênero.
Como surgiu a ideia desse projeto?
Ana Clara Donato: No início do ano, a gente [professoras] sentou para definir os temas que ia trabalhar. De fato, a proposta não era essa. Eu vim toda empolgada e preparada para mostrar uma proposta de matemática e tecnologia. Já comecei dizendo: olha, a gente pode fazer isso, pode fazer aquilo, essa abordagem pode ser assim, aquela pode ser assado. Vamos lá, gente! E percebi que todo mundo estava com cara de tacho, de braços cruzados e cabeça baixa.
Thaiza Veterinario: Só pra explicar que esse projeto, no formato que a gente tem hoje, só começou no ano passado. Antes de 2017, a gente tinha um tema escolhido pela secretaria de educação e que tinha a culminância num desfile cívico. Era uma coisa bem descontextualizada, que incentivava até a competição – a ruim – entre as escolas porque os professores faziam um ou outro trabalho só para mostrar resultado no desfile. No ano passado, a gente pôde escolher o tema e deu certo. E esse ano a gente continuou.
Então, por que vocês ficaram tristes?
Ana Clara Donato: Elas falaram que não queriam falar sobre aquele tema que, na verdade, tinham imaginado falar sobre outra coisa. Elas disseram que queriam falar sobre o empoderamento feminino, sobre feminismo, sobre representatividade, sobre diferença de gênero. Eu, de 1,60m, fui ficando bem pequenininha.
E como você desenrolou a questão?
Ana Clara Donato: Eu acatei e comecei a perguntar sobre os subtemas. Como todo início, a gente não tinha algo definido. Aqui, a gente trabalha com a construção e, como era algo inicial, não havia ainda essa construção. Elas tinham a ideia, mas não tinham a proposta toda pronta. Então a gente começou a debater sobre o que vai ser importante falar, quais os cuidados que a gente tem que ter.
Uma das minhas primeiras falas foi justamente com relação ao cuidado. Todo mundo é responsável por aquilo que faz, mas eu, como estou coordenadora, também sou responsável pela equipe. E eu me sinto nessa responsabilidade. Eu tenho muito cuidado com aquilo que vou trabalhar porque se alguém for agredido, eu também vou me sentir agredida e responsável.
Yasmine Martins: Quando ela fala sobre essa questão da agressão, a gente entendeu a preocupação dela, enquanto coordenação, porque a escola tem casos de agressão. Porque falar sobre feminismo é mexer com toda essa estrutura – muitas vezes familiar – de ideais e tudo mais. Eu não sei se medo seria a palavra, mas a gente tem muito cuidado ao tratar esse tema. Tanto que, no início, foi acordado da gente não falar a palavra “feminismo”. Agora, a gente já está falando (risos). Mas houve toda uma construção.
Como o projeto foi estruturado?
Yasmine Martins: O projeto foi estruturado por temas e cada turma fica responsável por falar sobre um aspecto daquele grande tema. A apresentação do tema é feita pelas/os próprias/os alunas/os. A minha turma, por exemplo, ficou responsável por falar sobre a questão da identidade. Então, há uma orientação para que minhas/meus alunas/os façam uma pesquisa muito bem feita sobre os temas porque elas/eles vão ter que apresentar. Eu enfatizei muito a questão das nossas origens, de onde nós viemos e porque somos esse povo tão cheio de referências.
Ana Clara Donato: Então, a gente vai e convida as/os responsáveis para assistir.
Então, vocês criaram um projeto que tem como foco a realização de seminários e convidam os pais para assistir, o que é relativamente comum. O que está fazendo esse projeto ser tão especial?
Thaíza Veterinario: Agora, a gente tem oportunidade de escolha do tema. A gente se senta como grupo e escolhe o que a gente quer falar. Além de escolher, a gente pode definir como a gente vai desenvolver os temas e a didática do processo.
A gente [essa escola] é estigmatizada dentro do próprio município. Aqui existe todo um preconceito em torno do bairro ‘Chatuba’. Aqui, realmente, é um bairro mais violento e com índice de desenvolvimento mais baixo e tem, sim, a presença do tráfico. A gente tem que ter cuidado ao tratar de determinados temas porque a gente tem um histórico de violência na escola, de ameaças às e aos profissionais da escola. Então, ao mesmo tempo que a gente tem essa impetuosidade de tratar assuntos polêmicos e de trazer essas discussões para a escola, a gente também se prepara muito para fazer essas abordagens. A gente faz muita pesquisa “pra gente se garantir” quando for perguntada sobre determinado tema. Ao mesmo tempo, a gente usa de muita estratégia porque aqui é nosso local de trabalho.
É difícil, mas eu acho que a gente tem conseguido, aos poucos, mudar até mesmo a mentalidade da comunidade sobre esses temas e para fazê-las/os entender que a escola é um lugar para debates. Mesmo que seja um assunto polêmico, a gente está sabendo abordá-los e adequá-los à faixa etária de cada criança. Eu acho que está sendo até mais fácil do que a gente imaginou que seria.
Por quê?
Ana Clara Donato: Esse projeto surgiu por iniciativa das professoras do primeiro segmento do turno da manhã e se deu por afinidade da equipe. Nós já trabalhamos juntos há algum tempo e hoje a gente já tem amadurecimento de equipe. Não estou dizendo que os outros grupos não tenham. Não é isso. Mas hoje a gente consegue debater sobre vários assuntos sem que ninguém saia ofendida, pressionada, coagida ou seja lá o que for. A gente conseguiu chegar nesse patamar porque a gente conseguiu estabelecer acordos. O que a gente percebe que, quando a equipe é nova, como é a equipe da tarde, que tem sete ou oito professores novos, um projeto como esse, que aborda temas polêmicos, demora mais a pegar porque requer entrosamento, construção, conscientização. A gente está ainda engatinhando. Mas a ideia é que esses temas sejam debatidos pela escola toda.
Uma equipe toda nova…
Yasmine Martins: A rotatividade de funcionários aqui é muito grande. Normalmente, Mesquita não tem um histórico de profissionais que se aposentam aqui porque permaneceram aqui. E isso acaba desfavorecendo a construção de uma identidade de equipe que realmente se preocupa com a educação e é difícil a gente contagiar quem acabou de chegar para fazer uma coisa que dá trabalho. Educação dá trabalho. A gente tem que abrir mão de alguma coisa. Nem sempre o direito vai caminhar junto com o acordo. A gente vive aqui isso o tempo todo. Infelizmente, há profissionais que não querem.
Eu gostaria que vocês falassem sobre a participação das/os responsáveis.
Thaíza Veterinario: O sonho de toda escola pública é conseguir estabelecer uma parceria entre a família e a escola. A gente sabe que a escola sozinha sem parceria da família não funciona. Aqui, a gente está trabalhando com crianças e adolescentes que estão envolvidos com histórias familiares muito sérias que afetam diretamente a vida escolar delas/es e também o nosso trabalho dentro da sala de aula. Com essa mudança, a gente percebe o quanto a gente já conseguiu estreitar esses laços com a família e a comunidade. As/Os responsáveis estão vindo, estão interessadas/os em saber o que suas/seus filhas/os estão estudando, o que eles vão apresentar no final do ano.
Ana Clara Donato: O que a gente percebe é que as/os responsáveis estão mais presentes. E não só as mulheres. Normalmente, a gente vê uma presença maior de mulheres; mães, avós e tias. Mas na última apresentação, tivemos cinco ou seis responsáveis homens. Isso é algo realmente diferenciado porque a gente não tem a presença deles na escola.
Outra coisa bacana também é que agora sempre que a gente faz qualquer atividade na escola a gente consegue conquistar mais responsáveis. A gente teve um outro projeto, a Semana do Brincar, que não tinha exatamente a ver com esse projeto e a gente estava esperando poucas/os responsáveis. A gente achou que ia dar conta da quantidade de crianças porque achamos que as crianças viriam sem responsáveis. Quando a gente chegou aqui era tanta criança acompanhada de responsável que a gente teve que se desdobrar para organizar tudo e fazer a atividade. Isso quer dizer que quando a gente chama para alguma atividade, elas/es estão tendo a preocupação de vir.
Yasmine: Até mesmo nas reuniões de responsáveis.
E antes não era assim…
Ana Clara: Não, mas eu acho também que com o projeto, as/os responsáveis viram que a gente não vem aqui só pra dar aula e pronto. A gente se preocupa com as crianças enquanto cidadãs. A gente também acabou percebendo que as/os responsáveis se sentiam bem deslocadas/os na escola. Elas/es se sentem muito à parte. “A gente só vai lá para receber reclamação. A gente só vai à reunião para pegar nota.” Agora, elas/es percebem que existe um outro modelo de participação que permite que elas/es sejam mais atuantes.
Até as crianças passam a cobrar a presença das/os responsáveis. Tem um aluno que acorda a mãe quando tem reunião e cobra a presença dela. As crianças ficam ansiosas para vê-las/os na plateia. Aguardam a presença e a participação delas/es. Não é raro ouvir: “Graças a Deus você chegou” ou “Ai que bom que você chegou”.
Percebo que há uma empolgação muito grande das/os alunas/os
Ana Clara Donato: O objetivo do projeto não é só abordar o problema e sim trazer algum resultado por ter mexido nele. E a gente tem observado nas crianças uma atitude diferente. A gente já consegue, aos pouquinhos, observar melhorias em vários sentidos.
Por exemplo, uma aluna estava na quadra brincando. A brincadeira era de peteca e houve uma separação entre meninas e meninos para brincar. A menina disse para o menino que ela queria brincar e ele disse que ali era só para meninos. Ela questionou e ele respondeu que a brincadeira era de menino. Ela não se deu por vencida e disse que ia falar para a tia Thaiza. E perguntou para ele se ele sabia qual era o projeto desse ano. E continuou dizendo que o projeto desse ano está falando que não existe brincadeira de meninas e brincadeiras de meninos, que todo mundo pode brincar daquilo que quiser e que ela também podia brincar de peteca. Brincaram. É isso que a gente quer alcançar, pelo menos no início, com o primeiro segmento.
Yasmine Martins: Eu percebo que há muitos resultados positivos aparecendo especialmente no turno da manhã – quando o projeto está sendo feito com mais frequência. Mas eu acho que se a gente continuar a falar de temas como esses, como feminismo, racismo, a gente consegue avançar para uma desconstrução necessária. Ano passado, por exemplo, a gente falou sobre a questão da cultura negra, o tema foi África.
Mas também o resultado não é visto só no comportamento, interesse ou nas notas dos alunos. O resultado também aparece em nós, da comunidade escolar. A gente está se desconstruindo de tanta coisa… A gente se vê obrigada a parar para pensar sobre as respostas automáticas. Então, o resultado é que esse projeto também está nos melhorando como pessoas, promovendo a vinda de responsáveis, mulheres e homens, para a escola, para ouvir sobre feminismo e racismo.
Thaiza Veterinario: Quando a gente fala sobre trabalho doméstico ou divisão das tarefas domésticas, a gente pergunta porque os meninos não podem ajudar? Por que os maridos e companheiros não podem ajudar a mãe ou a mulher? Por que só ela que fica lá se matando, cuidando de todo mundo e da casa? E elas mesmas dizem: é mesmo, né? A impressão que a gente tem é que elas nunca tinham parado pra pensar que esses afazeres, que essa responsabilidade é uma construção.
Vocês falaram que no ano passado o tema foi África. Por quê?
Yasmine Martins: Porque a gente viu uma oportunidade de trabalhar a temática da lei 10.639 durante o ano todo. Mas em muitos momentos, neste ano, a gente tem feito um link com os temas abordados no ano passado. Por exemplo, a questão do empoderamento feminino é importante e é muito amplo, mas dentro desse tema, a gente também tem que falar sobre o empoderamento das mulheres negras. E sobre a sua profissão, você acabou abordando essa questão hoje.
Quais foram os subtemas trabalhados?
Yasmine Martins: Nós falamos sobre brinquedos também. Brinquedos e brincadeiras africanas. Falamos sobre arte com abordagem sobre as máscaras africanas. Um grupo ficou responsável por fazer uma introdução com uma espécie de miscelânea com todos os assuntos. Falamos sobre a questão histórica. Falamos sobre comidas e vestimentas, dança e teve uma culminância no final do ano.
Nessa culminância é quando responsáveis participam, certo? O que elas/es trouxeram e o que levaram? Vocês conseguiram identificar?
Yasmine Matins: A gente bateu um pouco de frente porque na culminância do projeto do ano passado, a gente apresentou uma música que falava sobre elementos da natureza. Essa música tinha bastante tambores e isso esbarrou na questão religiosa. Eu acho que a gente fez um pouco de propósito, para incomodar mesmo. Então, as/os responsáveis ficaram um pouco incomodadas/os. Alguns até falaram que não querem que a/o filha/o participe disso, usando termos que não convém nem repetir, mas a gente continuou.
Como vocês saíram dessa?
Yasmine Martins: Por isso a importância da pesquisa. A gente disse que respeitava o segmento religioso da/o responsável, mas não tem como a gente falar de África sem falar das religiões. Não dá para tampar o Sol com a peneira. Às vezes, a gente fica com muito medo de falar as coisas para não bater de frente, mas muitas vezes é isso que precisa ser feito. Não adianta a gente pedir respeito sem a gente mostrar. Não adianta a gente querer que a/o negra/o ocupe o espaço dela/o se a gente diz que não há discriminação só porque a situação já melhorou um pouco. Poxa, a gente sabe que não é assim.
É um mito…
Yasmine Martins: É. Já avançamos? Sim, mas olha, a gente já está em 2018! A gente já deveria ter avançado mais, né? Não é raro a gente ver um/a aluna/o negra/o chamar a/o outra/o de macaca/o ou de negrinha/o, menosprezando mesmo. É muito triste. E é esse tipo de comportamento que a equipe toda quer acabar. Mas é uma desconstrução.
Ana Clara Donato: Com relação à apresentação do ano passo, eu tenho até uma leitura diferente. Ao mesmo tempo que alguns/mas responsáveis, que foram poucos (não foi uma massa), criticaram alguma, elas/es também ficaram tolhidas/os porque não puderam fazer nada. As crianças já estavam dançando envolvidas e queriam participar daquele momento. Então, apesar de ser uma opinião da/o responsável, não era uma opinião da criança. É claro que a gente quer fazer algo que seja do consentimento de todo mundo e que seja legal para todo mundo, mas o nosso objetivo são as/os alunas/os. Então, se a gente alcançou esse objetivo, a gente já tem 90% conquistado. Se a/o responsável não pensa assim, não tem problema.
Yasmine Martins: A gente está preparando uma geração melhor que vai vir.
Ana Clara Donato: Exatamente! A gente está preocupada com a geração que vem aí. E a gente está percebendo que eles estão se modificando. Também é importante dizer que, até hoje, oficialmente, não registramos qualquer crítica de responsáveis sobre o projeto.
Quais são os subtemas que serão abordados esse ano, no tema feminismo?
Thaiza Veterinario: O primeiro ano ficou com abordagem da desconstrução das brincadeiras e dos brinquedos e de cores também. Uma turma vai falar sobre Mulheres de Destaque na Arte. A gente está trabalhando a representatividade na pintura, com Frida Khalo, Tarsila do Amaral. Na literatura, trabalhamos com Carolina Maria de Jesus. Vamos abordar outras artes visuais. E também vamos trabalhar com a dança e a música. Uma turma do terceiro ano ficou com a apresentação de um panorama com as conquistas das mulheres, direito ao voto etc. e também sobre porque é importante falar sobre esse tema. Uma outra turma falou sobre identidade, as diversas formas de ser mulher, os padrões de beleza e a questão estética. Uma outra turma vai falar sobre violência contra a mulher, abordando tanto as questões físicas quanto as psicológicas. E uma turma vai falar sobre profissões, como é a mulher no mercado de trabalho, a questão da maternidade. Então, os subtemas são esses. Mas de apresentação, esse ano a gente só teve o Panorama Histórico (Apresentação Geral) e as A Conversa sobre Identidade da Mulher.
Yasmine Martins: Mas isso também se deve ao fato de que a gente espera que muitas mulheres, assim como você fez hoje, venham aqui e compartilhem sua experiência de vida e profissional com as crianças. A gente já deveria ter apresentado mais um tema, mas eu acho que a gente está indo bem.
Como essas mulheres são convidadas para participar desse projeto?
Ana Clara Donato: A gente fez um vídeo chamando essas mulheres (pelo amor de deus, veja o vídeo mais lindo do mundo! rsrsrs).
Eu posso divulgar esse vídeo?
Ana Clara Donato: Por favor!
Yasmine Martins: Por favor, a gente precisa conseguir. Assim que a gente começou, a gente pensou em fazer uma campanha no Instagram convidando as mulheres para virem aqui participar. Nós lançamos uma hashtag: #thaisaraujonocheguevara. (risos). A gente divulgou em várias páginas e foi marcando as famosas, tipo Djamila Ribeiro, para virem aqui. A gente acredita mesmo nessa história da representatividade. A gente sabe o quanto isso é importante. E a gente gente pensa alto, né? (risos). Marcamos as famosas, a Chris Vianna. Quem sabe, né? Para as/os alunas/os, ter essa divulgação também ia ser muito bom.
Falar sobre feminismo é um grande desafio?
Yasmine Martins: É porque a gente tem a impressão que falar sobre feminismo e empoderamento está na moda. Mas a realidade é que quando a gente vai falar com outras mulheres, elas dizem que isso é mi-mi-mi e que o feminismo é algo que elas não querem para elas. Isso é muito contraditório porque a importância do feminismo é histórica. O que a gente tem hoje não veio de mão beijada. E mesmo com toda divulgação, muitas mulheres não conseguem ver a necessidade do movimento. Isso é muito complicado.
E o que acontece quando você leva essa questão para a sala de aula?
Yasmine Martins: Eu falei para as minhas alunas que o meu objetivo esse ano é que elas saibam exatamente o que está envolvido quando elas ouvirem as palavras feminismo e empoderamento para que elas avaliem se precisam delas ou não. Eu quero que minhas/meus alunes tenham a noção do conceito e das coisas que estão acontecendo no mundo.
Eu já ganhei o meu ano. Eu trabalhei aqui o caso da Marielle (Franco) e foi muito difícil porque eu fiquei super emocionada e tive que segurar o choro. Falar da Marielle foi muito difícil para mim. A gente fez um cartaz e elas/eles ficaram muito balançadas/os com o que aconteceu. Um aluno chegou para mim e disse: professora, eu vi o caixão da Marielle na televisão e eu sabia que era a Marielle. Mas eu sabia que era a Marielle porque a senhora contou a história dela. Eu ganhei 2018. Se eu não tivesse mostrado quem era Marielle e que ela não era as coisas que estavam mostrando dela na Internet. Se eu não tivesse falado que ela foi morta porque ela era mulher, negra e por defender as causas que ela defendia, talvez ele imaginasse que aquele caixão era um caixão qualquer, talvez não tivesse dado a mínima importância para o que estava ali.
Thaiza Veterinario: Às vezes, elas/eles ouvem essas palavras num contexto deturpado. Ouvem na televisão e, muitas vezes, a mídia é tendenciosa. Se a/o aluna/o não tiver uma/um responsável com ela/ele para debater e refletir sobre determinado assunto, então que, pelo menos, a escola seja esse lugar de reflexão. Ao ouvir esses conceitos de nós, ela/ele não vai ficar apenas com a construção negativa desses termos quando eles aparecem na mídia. A gente se preparou para trabalhar esses conceitos na escola. Mas, a gente entende que o nosso conhecimento também está sendo construído e, por isso, a gente precisa ter mais especialistas aqui para falar.
Essa é uma escola muito grande. Quantos alunos e quantos segmentos da educação há aqui?
Thaiza Veterinario: São mais ou menos 1.200 alunos do ensino infantil, primeiro e segundos segmentos e EJA (Educação de Jovens e Adultos).
Numa projeção, quanto tempo seria necessário para construir uma escola preparada para superar o racismo e o seximo?
Yasmine Martins: A vida toda. É um tarefa de longo prazo. A gente não pode piscar com esses assuntos. E às vezes, a gente perde até a esperança.
Mas vocês compartilham os resultados do projeto com os outros professores? Há possibilidade dele se estender para a escola toda?
Ana Clara Dontato: Hoje, a gente já consegue conversar com professores de outros segmentos em reuniões e planejamentos coletivos. As/Os próprias/os profissionais dos outros segmentos estão conseguindo perceber a necessidade da escola trabalhar em conjunto num projeto como esse. A ideia do projeto é que realmente ele se estenda. No último planejamento coletivo, a gente já teve uma preocupação em reunir todos as/os profissionais da escola com as/os professoras/es para debater esse e outros temas afins.
Então, por que perdem a esperança?
Thaiza Veterinario: A nossa profissão é muito desvalorizada. A gente só vê humilhação. A gente precisa tirar um estímulo, um ânimo a mais todo dia para estar aqui e fazer a diferença. Na escola pública, a gente tira dinheiro do nosso bolso para realizar atividades. A motivação que a gente precisa só vem da gente mesmo e das nossas amigas que entendem a nossa realidade. Às vezes, a gente fala com o marido e ele não entende. A gente fala com familiar e não entende. Às vezes, as pessoas acham que o nosso trabalho é menor. Outras vezes, acham que a gente faz demais. Perguntam porque a gente faz tudo isso.
Ana Clara Donato: Eu vejo também é que nem todo mundo que está na escola está a fim de pensar sobre a escola. Ainda existem profissionais que vêm aqui só para dar aulas. Então, se eu dou aula de matemática, eu vou lá só pra dar aula de matemática. Não vem pra se envolver. Vem exclusivamente para cumprir um horário, cumprir uma etapa. Em todas as áreas é assim, mas na educação isso tem um peso maior porque o resultado que a gente vai colher não vai ser bom. Por estarmos aqui nessa escola há algum tempo, a gente vem colhendo alguns frutos. Alguns, muito ruins e outros bons e é por esses bons que a gente está sempre com fôlego novo.
Como resolver isso?
Ana Clara Donato: Então, a gente não tem como obrigar, mas a gente tem como motivar. Por exemplo, ter essa atividade reconhecida seria legal para a gente divulgar que mesmo nadando contra a corrente, a gente tem resultados positivos. Seria legal que mais pessoas soubessem que os frutos que a gente colhe são muito bons.
Yasmine Martins: Eu ouvi de uma educadora que a gente precisava ser valorizada. Eu também pensava assim. Hoje, eu penso um pouco diferente. Para você ser valorizada, você tem que ter um público consciente da importância da educação. A/O professora/or só vai começar a ser valorizada/do quando essa/e alunado de hoje tiver filhas/os nas escolas. Talvez, se tiverem essa educação crítica, consciente, talvez, possam ver a importância da escola. Precisamos mostrar para nossas/os alunas/os as questões que estruturam a sociedade. Aí, sim, eu acho que esse público vai valorizar a educação.
E o que traz de simbólico fazer essa revolução numa escola que se chama Ernesto Che Guevara?
Thaiza Veterinario: É revolução. Quando eu cheguei aqui, eu não era natural da escola. Eu tenho sete anos de município. Esse é o meu primeiro emprego e eu comecei com 18 anos. Eu tomei um choque. Mas nesses sete anos de profissão eu já passei por três escolas no município. Quando eu comecei aqui eu era dobra, ou seja, a minha matrícula era em outra escola, mas eu trabalhava aqui preenchendo uma vacância de professora/or. Eu cobria a ausência de um/a professora/or. Eu não conhecia a escola e ouvia falar coisas ruins sobre o bairro. Mas quando eu vi o trabalho que era desenvolvido aqui (que não tem nenhuma visibilidade no município) eu fiquei boquiaberta. Eu pensava: meu deus, como elas conseguem fazer esse trabalho numa escola grande desse jeito e com todas essas ocorrências de violência? Como elas conseguem ter esse resultado? Aí eu disse que aqui elas representam o nome da escola. Elas fazem a revolução. Então, eu falei que queria trabalhar aqui também e mudei minha matrícula pra cá. Aqui eu sinto que faço a diferença. Sinto que meu trabalho tem sentido.
Yasmine Martins: Eu já conhecia o trabalho da escola e disse na secretaria de educação que queria ir para a Che Guevara. As pessoas perguntaram se eu tinha certeza. Eu disse que sim. A gente aqui faz uma revolução de pensamento. Aprendemos a não ser homem/mulher-bomba. Não queremos explodir tudo. Estamos aprendendo a comer pelas beiradas e a dar um passo de cada vez. Somos estratégicas porque queremos vencer esse jogo.
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