O Black é Power

Recentemente o programa televisivo Big Brother Brasil estreitou sua décima sexta edição, conforme todo o começo de ano e com ele uma nova decoração “retrô” do reality show, anunciava uma matéria. Junto com a nova decoração, um boneco com um cabelo afro popularmente conhecido como black power, que servia como uma esponja para lavar-louça. Bom, não demorou muito para o assunto viralizar na internet surgindo diferentes opiniões sobre o boneco.

Bem, primeiramente gostaria de iniciar a discussão fazendo um parâmetro histórico sobre a simbologia que o cabelo afro possui por parte da população negra.

Em 1960 o movimento Black Power surge nos Estados Unidos em meio a segregação racial na luta pelos direitos civis, o movimento tinha como principal proposta resignificar as características físicas dos negros, que tinham sido estigmatizadas durante o período escravocrata, sendo assim, o cabelo “black power ” era utilizado pelos movimentos antirracistas como um forte instrumento político, ele tinha como finalidade um papel de afronta a esta sociedade racista que colocava a suas características físicas como algo não aceito como belo ou até mesmo como imperfeição estética por não se enquadrar ao fenótipo padrão eurocêntrico de beleza. Dentro deste contexto o cabelo “black power” era um modo de afirmar o orgulho de suas raízes africanas, ele se torna um símbolo de resistência cultural á opressão racista.

No Brasil, o movimento negro e os movimentos antirracistas que surgiram posteriormente ao longo dos anos, se perpetuou a simbologia do cabelo “black power” dado a sua conjuntura social que através do racismo estrutural se perpetua a marginalização da população negra através da desigualdade social historicamente constituída após o período da escravidão.

Racismo estrutural permite a perpetuação dos estigmas sociais relacionados à população negra, no Brasil, temos o racismo mais sutil, aquele nivelado, entrelinhas, que aparece nas piadas, na não representatividade nas mídias televisivas nacionais, nos estereótipos , o famoso racismo “à brasileira” definido por Lilia Schwarcz como natural, e que ainda nos dias de hoje aos olhos de muitas pessoas o cabelo afro mantido naturalmente é facilmente associado a falta de cuidado, um tipo de cabelo feio ou até mesmo associado como um cabelo “ruim”.

Dificilmente vemos pessoas negras nas mídias de uma forma geral, crianças negras, crescem sem possuir uma imagem positiva associada ao seu cabelo natural na mídia, pois, nas novelas nacionais, nos comerciais, filmes, programas de auditório, etc. Podemos contar nos dedos quantas pessoas negras estão nestes espaços, usando o seu cabelo de modo natural. Fato que isto revela algo que é extremamente problemático quando estamos tratando do país com a maior população negra fora do continente africano, compondo 52% da população.

Bem, dado o atual parâmetro social, é interessante que ao pensarmos que um boneco de lavar louça com um cabelo afro que historicamente carrega uma teia de significamos políticos e culturais dentro de uma mídia que constantemente visibiliza e corrobora para a perpetuação dos estigmas racistas, é expressamente problemático e deve ser colocado em discussão com a sociedade.

Em meio a insistente tentativa de estigmatizar e invisibilizar, os movimentos antirracistas ressurgem e demonstram a sociedade que o black é power e não esponja de lavar louça.

Referencia Bibliográfica:

SCHWARCZ, L. M. Racismo “ á brasileira”. In: Diferenças, igualdade (orgs.Heloisa Buarque de Almeida, José Eduardo Szwako). São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2009

Hooks, B. Alisando Nossos Cabelos. In: Revista Gazeta de Cuba – Unión de escritores y Artista de Cuba, janeiro-fevereiro de 2005. Tradução do espanhol: Lia Maria dos Santos.

A População Negra Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010.

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