Imagem: Aline Bispo / Torto Arado (Adaptada)
Há cerca de quatro anos, venho transformando o dia 25 de julho em uma data de destaque e reflexão sobre minha existência. Essa data entrou na minha vida como a voz de minhas ancestrais encantadas, que sussurravam e, às vezes, bradavam: “desfaça a trama imposta a nós, celebre nossa existência!”. Mas como desfazer essa trama imposta aos corpos das mulheres negras ao longo da história? Como enfraquecer os resquícios do poder colonizador que cercam nossos primeiros passos? Como não sucumbir à morte física e psicológica que nos acomete diariamente?
Inicio este texto permeada por esses questionamentos e inspirada pela escrita sagaz de “Trama para acabar com ela”, da Saidiya Hartman, uma escritora negra norte-americana. As tramas destinadas a acabar com nossas corpas negras, advindas de séculos de opressão, são relatadas de forma tão poética e impactante que fui profundamente remexida pelos inúmeros conjuros que marcam/marcaram minha corpa e das minhas antepassadas. A leitura também me fez refletir sobre os modos de desfazer essa trama, resgatando o que sabemos fazer de melhor: nossas tecnologias ancestrais.
Ao longo de nossas trajetórias, as ancestrais que por aqui passaram e que ainda continuam em nosso meio mostram que estamos no caminho de desfazer essa trama. Algo que faz do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha um desses desfazimentos. Como não resgatar esse momento histórico, territorialmente fincado na cidade dominicana de São Domingos, palco do 1° Encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas? No exercício da fabulação, acredito que poeticamente possa tentar reviver parte dele, talvez…
“Era 25 de julho de 1992,
Mulheres negras e a pauta do dia,
Tão bem reconhecida como também esquecida:
“Há uma trama para o nosso aniquilamento!
E como há, faremos um caminho inverso.”
Qual seria o caminho?
As tecnologias ancestrais?
Aquilombamento e o Axé verbal
A escolha acertada.
E perpetuada.
E assim se fez!”
E continuamos refazendo em torno do tempo espiralar que perpetua a negritude e todas as suas raízes a partir do nosso gestar. Esse gestar que vai além do parir biológico é algo maior, da esfera da nutrição, do tornar-se mulher negra. Nessa trajetória, aprendemos a valorizar nossas joias e a nutrir abundantemente comunidades, projetos, quilombos e outros territórios férteis.
Assim, as águas que emanaram do quilombo de Quariterê pelas mãos de Tereza de Benguela, ora revoltas, ora calmas, chegam até nós! Elas são tecnologia de movimento. Nos afluentes, o axé verbal que entoamos se transforma em aquilombamento, adentrando e fortalecendo espaços outrora negados, estimulando a construção comunitária em detrimento ao individualismo ocidental e nutrindo as histórias que serão perpetuadas. Agora, somos as contadoras! Estamos desfazendo a trama histórica e, vigilantes, continuaremos a navegar esses rios que atravessam o feminino negro.
Nesses afluentes, o dia 25 de julho nos lembra que somos o próprio desfazer da trama. Sou eu o desfazimento de Joelma Ferreira, minha mãe, mas também das minhas mais velhas encantadas (salve Dona Tonha e Dona Graça). Nas águas delas, aprendi a amar, tornar-me aguerrida, construir comunidade e encarar o melhor daquilo que está por vir. E como já vejo esse melhor a partir da espiralidade do tempo, salve Luiza Mahin, Xica Manicongo, Dandara, Mãe Biu de Xambá, Carolina Maria de Jesus, Marielle Franco e tantas outras. Salve também o agora, nas figuras de Mãe Beth de Oxum, Lenne Ferreira, Erika Hilton, Erica Malunguinho, Odailta Alves, Inaldete Pinheiro, Lúcia dos Prazeres, Mãe Ciça, Mãe Célia e tantas outras que não caberiam nesta escrita. Pois é, muitas como água abundante que se mantém no fluxo e seguem no constante desfazer da trama.
Salve Tereza de Benguela!
Salve todas as Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas!