Acho que esse vai ser o meu primeiro carnaval sem assistir a nenhuma escola de samba na tevê. De uns tempos para cá comecei a ver menos beleza nos desfiles.
Nasci na década de 90, quando as marchinhas e bloquinhos de carnaval não tinham tanta graça e força como antigamente e que desfilar em escola de samba era um máximo. Nunca desfilei, sempre assisti em casa, e pequena, me lembro de ficar sambando na frente da tela, imaginando ser uma passista linda e poderosa. Cresci e agora não me imagino sendo mais uma passista, e mais, percebo agora, que o motivo pelo qual eu achava incrível ser passista era que esse era um dos únicos referenciais de beleza negra que eu via. A gente só via mulher negra sendo exaltada como bonita nos carnavais globais. A Valéria Valenssa, eu a achava uma deusa! Ali brilhando, todo ano com uma fantasia diferente, única, em destaque. Queria ser parecida com ela. Mas aí, o carnaval acabava as escolas passavam, e eu (e acredito que outras meninas negras também), ficava o resto do ano sem referência, alguém que de fato se parecesse comigo, com a gente. Lembro também dos concursos anuais de “mulatas” passistas que acontecia e ainda devem acontecer no programa do Luciano Huck, onde as moças contavam um pouco da vida de passista, rotina para manter o corpo, e ainda tinham que ouvir perguntas e piadinhas infames do apresentador e convidados. Sem contar as “mulatas” do Sargentelli, que durante a década de 70/80 eram atração na tevê, Sargentelli, aliás, que era considerado especialista em mulatas e o rei do ziriguidum, pois é.
Enfim, juntando tudo isso na minha cabeça, agora já adulta, o sentimento de querer ser passista fica mais distante, continuo achando todas lindas e adoro saber que uma moça da comunidade da escola tal, foi escolhida para ser rainha ou madrinha, e não uma famosa qualquer. Mas eu não as vejo como referência de beleza, como quando eu era pequena, agora é diferente, para mim é diferente. Acredito que para elas deve ser incrível, se dedicar o ano todo, escolher a fantasia, se preparar, aprender o novo samba enredo, partilhar do carnaval com a sua escola. Porém, a impressão que dá é que a mulher negra só tem destaque e só é bonita ou vista como tal na época do carnaval, e acredito que não seja apenas uma impressão, é fato.
Não vejo graça na Globeleza mais, mulheres sendo mostradas como se fossem objetos temáticos e adequados ao clima quente e festivo do momento. Sendo trocadas por serem “pretas demais”, lembram-se da Nayara Justino, Globeleza de 2014? Se a gente separar a palavra Globeleza, vira Globo/beleza, a “beleza da Globo”, que durante o carnaval é representada por uma linda mulher negra, mas que no resto do ano, fica cada vez mais clara.
Para escrever esse texto, eu fiz uma pesquisa rápida no Google, digitando as palavras, samba, carnaval e mulata (odeio essa) e adivinhe o que me aparece, mulheres negras nuas ou com pouca roupa e algumas coisas relacionadas à pornografia, como já era de se esperar. Outra coisa muito recorrente nessa minha nova percepção carnavalesca foi ouvir/ler relatos de moças negras, que andando na rua, ou em qualquer outra situação, escutam cantadas “temáticas de carnaval” do tipo: “ei, mulata, samba aí para eu ver!”, ou aquela batidinha na palma da mão, imitando o toque num pandeiro, sugerindo que a moça sambe. Essa última aconteceu comigo até. DUAS vezes. Mas também percebo um grande levante de mulheres que não mais aceitam esse tipo de situação, que reclamam mesmo, censuram o “cantador” inconveniente, que corrigem o termo mulata, mulata tipo exportação e que se dão ao direito de não sambar, de olhar feio e sair pisando firme. Porque não somos obrigadas a nada, muito menos a sambar (só se for na cara dessa sociedade racista e machista).
Imagem destacada: Pricila Bonifácio, da Vila Maria. Matéria Istoé