Há séculos a mulher negra é vítima do olhar preconceituoso e enviesado da sociedade, sobretudo com relação ao seu cabelo. Isso ainda continua sendo um grande tabu e, como tal, agrega e também expele opiniões. No ano de 2013, o canal televisivo SBT lançou, em convênio com a multinacional Bombril, no programa exibido aos sábados à tarde – Raul Gil – o quadro de muito sucesso Mulheres que brilham. O que grande parte dos expectadores talvez não percebeu é que, após o lançamento da vinheta do programa ir ao ar, a imagem que a compunha, mais tarde, foi substituída por outra, “simplesmente” porque a primeira favorecia a leitura pejorativa e preconceituosa (metonímica) entre o Bombril (esponja de aço) e o cabelo da mulher negra (claramente reconhecida na imagem 1), reforçando a ideologia da negra de cabelo duro. Em outro momento, aparece modificada tanto no cabelo como em seus traços fenotípicos como mostra a imagem 2.
Assim como a História, a Memória, o Corpo, o cabelo da mulher negra também é uma forma de resistência. Não é de hoje que a sociedade machista, patriarcal, branca nos impôs um padrão de beleza capilar que se diz ideal e que se convencionou ser chamado de cabelo bom e, portanto, bonito, fazendo com que tudo o que fuja disso seja feio ou exótico. As relações de poder que se estabeleciam sobre o corpo (escravidão física), agora agem de forma mais velada, porém não menos agressiva (escravidão simbólica).
Sou negra e, quase sempre, uso meu cabelo liso mas, em momento algum, isso faz com que eu negue a minha identidade. A mulher negra de hoje não pode, em hipótese alguma, encaixar-se nos moldes que serviram para lhe encurralar. Do contrário, ela estaria livre dos grilhões, mas presa aos padrões impositivos. Ser negra, acima de qualquer outra coisa, é olhar-se no espelho e amar o que está vendo. É ter cabelo crespo ou cacheado e vê-lo como um mar de possibilidades: na segunda-feira cacheado, terça pranchado, quarta com turbante, quinta dread…. Temos o direito de poder brincar com o nosso cabelo da forma que nós quisermos e não da forma que a sociedade nos obriga a querer, vendo-o, não como moda, mas como um ato de resistência e por isso, um ato político. Isso é liberdade: entender que o nosso cabelo não é duro, não é ruim, não é Bombril, e por isso nos proporciona mil e uma “possibilidades”. Podemos pintá-lo sim, pranchá-lo sim, não por tradição, imposição, ou por querermos nos encaixar em uma imagem que nos permita uma aceitação social, mas entendendo-o enquanto uma arma de empoderamento, luta, resistência, persistência e poder.