O que mais precisamos falar, o que mais precisa ser estudado, escrito, gritado, recitado, musicado, pixado, riscado, filmado?
O que mais pessoas negras como eu e como meu companheiro devemos fazer para ter uma vida normal? Mais quantas notas de repúdio precisam ser escritas para as pessoas aceitarem que racismo é crime? É crime, é errad o, é desumano, já que retira a humanidade de quem sofre. O que mais adoece dentro da militância feminista, negra e gorda é explicar o óbvio todo dia de uma forma diferente e explicar que não se deve achar normal em uma sociedade amarrar uma pessoa negra em um poste, por causa de qualquer merda que seja, ou deixar alguém preso por mais de três anos por portar detergente, ou arrastar o corpo de uma mulher negra pelas ruas até que ela morra.
Explicar que não é normal quando um grupos de estudantes negros passa e o militante marxista feat anarquista e feministo, do movimento estudantil da UFAM, fala “fedeu”.
Explicar pra professor de história chamar uma mulher do mestrado, sua aluna, de “sua escrava sexual” e nada acontecer. Explicar pro professor de antropologia que é racismo quando ele diz que o Israel por ser negro, tem mais chance de pesquisar crime e prisão por que “vai passar despercebido dentro de um presídio”. Explicar para as pessoas que meu cabelo não é ruim. Ele é crespo. Explicar que quando minha colega feminista que diz que “usa turbante quando faz uma merda no cabelo” é racimos.
Explicar que é racismo institucional quando se retira recorte racial de uma pesquisa porque “é melhor optar por não pesquisar sobre as mulheres negras agora é mais estratégico” . É racismo sim, significa que pessoas negras ainda são chamadas a vagar dentro das universidades de cabeça baixa, e bem caladas. Mas nos calar não é o que vamos fazer. Nós não vamos abaixar a cabeça e engolir o choro, o abuso, o desrespeito até que ele vire uma crise de ansiedade, uma gastrite, uma depressão. Não vamos achar normal, que uma professora tenha “receio” de orientar um aluno negro, que ganhou honra ao mérito pelo seu projeto de pesquisa, por que ele parece “confuso, disperso”. Não vou sorrir para aquele professor da UFAM que diz que “se vivêssemos numa sociedade racional não teria tanto desperdício de farofa e galinha nas encruzilhadas” eu não vou abaixar a minha cabeça e me encolher numa sombra de ignorância quando o professor me humilha na sala, me chama de macumbeira, fica se debatendo e todos riem. Eu não vou abaixar, ninguém vai! Eu quero dizer paras as pessoas racistas que nos cercam a todo instante que não temos medo de vocês, nós estamos aqui armados com todo o nosso poder, com toda a nossa força, que é a nossa força de poder falar, se antes se caia atirando, hoje a gente vai caindo falando, denunciando, gritando até que vocês fiquem surdos, por que calar, calar a nossa Voz vocês não nunca conseguiram.
Eu estou escrevendo essa nota de repúdio por que ontem, eu e meu companheiro, decidimos pegar a nossa moto e ir ao cinema, assistir um filme, comer uma pipoca. Depois de um período cansativo na universidade chegou o recesso e decidimos ir ao Shopping para fazer essas coisas, que casais fazem. Depois do filme, saímos da sala de cinema e fomos ao guichê de pagamento do estacionamento, e o funcionário do shopping cobrou o valor de cinco reais, que fora pagos de imediato, esse funcionário branco, então disse que “tava ok” e que era para irmos embora que estava tudo liberado. E assim seguimos em direção ao estacionamento, conversando sobre o filme. Antes de chegarmos na saída, ainda na moto, um funcionário correu em nossa direção questionando sobre um cartão, e perguntando se tínhamos pagado o estacionamento. O Israel contou o que tinha acontecido, que já havíamos pagado o estacionamento perto da saída, na área do cinema. Aí começou mais um episódio de racismo, de constrangimento nas nossas vidas, esse funcionário não acreditou e insistiu sobre o cartão, e Israel mais uma vez respondeu “ o funcionário lá debaixo não deu cartão, passa um rádio e resolve com ele aí”. Então esse funcionário chamou um outro segurança, talvez responsável da área. E tivemos que explicar tudo de novo, tudo de novo.
Essa segurança não acreditou, achou que estávamos tentando sair sem pagar o estacionamento e pediu os documentos da moto, e os documentos do Rael, que se recusou, já que não havia necessidade disso. Nisso o segurança trancou a cancela de saída do estacionamento, impedindo deste modo que a gente pudesse sair do shopping.
Ele disse para gente pagar o estacionamento [de novo!], e dissemos para que ele verificasse que aquilo era errado já que estávamos passando por um constrangimento desnecessário já que o pagamento já tinha ocorrido. A resposta que tivemos foi às costas desse segurança que seguiu nos ignorando, tentamos ir atrás dele mas ele sumiu nos corredores do shopping. Nesse momento decidimos voltar para a nossa moto, achando que seria resolvido o problema, mas já consciente de que nenhum casal de brancos passaria por isso, visto que havia grupos de pessoa brancas, visivelmente bêbadas indo para o estacionamento sem nenhum constrangimento, desconfiança ou sendo seguidos por seguranças como muitas vezes já aconteceu conosco, até mesmo em locais de habitual frequência de um casal de estudantes, a livraria desse mesmo lugar, por exemplo.
Quando ele voltou disse que o funcionário não confirmou nosso pagamento, e que teríamos que pagar, que ele não tinha retido nenhum cartão de estacionamento, e que as vezes as pessoas vão para lá (pro shopping) e tentam pegar carros que não são seus. Tivemos que voltar até aonde realizamos o pagamento do estacionamento e o rapaz branco que recebeu o funcionário desse shopping disse que não tinha recebido nada.
Nesse procedimento inteiro fomos tratados como suspeitos, SUSPPRETOS, por sermos negros, por sermos pobres. Ás pessoas negras dentro do amazonas, de Manaus, do norte, do Brasil, do mundo não é dado o poder da dúvida, a chance de realmente o funcionário branco ter embolsado os cinco reais e nós termos pago sim o estacionamento como sempre fazemos, não passou pela cabeça de nenhum dos três seguranças que mesmo quando eu falava que aquilo era errado, que era racismo, que nós íamos denunciar, tínhamos a resposta de que “errado é não pagar estacionamento do shopping”.
Por fim, ao ver que não íamos recuar ele admitiu que nós havíamos pagado, e eu perguntei “ Isso é por que a gente preto?!” Indignado respondeu “EU NÃO SOU RACISTA”.
É, Sabotage, o terceiro mundo tem sido cruel e eu tenho as marcas, como diz o grupo de Rap aqui do Amazonas, Nativos Mcs “sistema de merda é bom se por no lugar que a minha revolta está chegando no limite”.
Esse evento, não foi um azar, um mal dia. É um dia normal de perseguição as pessoas negras, faz parte de uma política pública de extermínio da juventude negra, faz parte da construção histórica do que é ser negro, afincados em estereótipos racistas. Não é exceção à regra, e o modus operanti desse estado genocida, e estamos cada dia mais forte e afim de derrubar e acabar com essas regras “por qualquer meio necessário”