O racismo nas férias

Minha filha nasceu em 2009 e quando ela tinha 1 ano e 5 matriculei-a na escolinha, paga, porque não consegui vaga na creche, e voltei a trabalhar.

Trabalhei durante quatro anos e 7 meses e, depois de muitas promessas de uma promoção que nunca veio, fui preterida por uma branca e decidi não me subordinar aquela situação, me joguei e desde então, sonhava com as férias em família.

E ela chegou! Ah, as férias! Eu meu marido, minha filha, cunhados e sobrinhos.

Alugamos uma casa em Mongaguá e fomos os sete, curtir sol, praia e água de coco. Escolhemos um quiosque, sentamos comemos, bebemos. Era a primeira vez da minha filha na praia ela estava radiante, feliz e todos nós felizes por proporcionar este momento à ela.

Nos divertimos muito e decidimos ir embora por volta das 19h, pedimos para fechar a conta no quiosque e fizemos a conta de quanto ficaria pra cada um, racharíamos a conta, minha sobrinha pegou dez reais e falou “pai pega aqui pra pagar a conta” nisso passa uma moça e pergunta “estes dez reais são seus ou você achou agora?” ela respondeu “são meus, vou pagar minha conta” – ela saiu, foi até a mesa dela, chamou a mãe e vieram as duas cobrar os dez reais que a filha dela perdeu, e que nós achamos e não queríamos devolver.

Inicialmente não acreditamos no que estava acontecendo, meu esposo argumentou que ela estava errada, que o dinheiro era nosso, ela continuou lá gritando, acusando, querendo “os dez reais dela”. Meu cunhado se encheu e mandou-a se calar. Ela se sentou e ficamos lá rindo da situação. Pagamos nossa conta, arrumamos nossas coisas quando a senhora volta e lança essa “ não precisa devolver não, estou dando meus dez reais pra vocês, isso é troco pra mim ” rimos porque tudo aquilo parecia não estar acontecendo. Ela parecia surtada, e quando nosso protesto foi mais veemente, ela se apressou em sair rapidamente com a filha, ainda gritando e acusando.

Racismo? Óbvio, éramos os únicos negros próximos e logo ela deduziu que éramos os culpados. Antes da nossa mesa, tinha um casal com uma amiga, brancos,  uma outra família numa outra mesa, brancos. Ela os ignorou e veio na nossa direção já com acusações. Racismo sim.

No caminho da casa que estávamos, percebemos a gravidade do que tinha ocorrido quando minha filha falou “mãe a gente não pega nada dos outros”. Nos olhamos e nosso semblante caiu, a tristeza tomou conta de todos, fizemos o restante do trajeto triste pois percebemos a violência que havíamos sofrido.

No Brasil destroem nossa identidade diariamente, tentam nos sufocar, nos calar. Somos perseguidos nos shoppings, somos mortos pela polícia e até na praia, um espaço público dito como democrático, não somos tratados com dignidade, somos os culpados. Porque? Por sermos negros e estarmos com dez reais na mão. Temos que provar que nosso dinheiro é nosso.

É Martin Luther King, ainda não vivemos numa nação onde não somos julgados pela cor da pele.

Imagem destacada: I love Being Black

6 comments
  1. Meu Deus que absurdo é esse ??? Que tristeza!!! Dá uma vontade de filmar essa gente e colocar na internet, óbvio que isso não alivia em nada o que vcs sofreram, mas só consigo pensar em maldades diante da gravidade dessa situação! O mundo dos nossos sonhos podia chegar logo né… ☹ . Bjs Jaq

  2. Eu estava jantando enquanto li esse relato. Meu estomago embrulhou,minhas mãos suaram e não pude conter uma lagrima.
    Sinto muito. Me sinto envergonhada por ser branca e brancos terem feito isso.

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Diametralmente oposto a esse padrão aceitável se encontra, por lógica, o corpo negro. O corpo negro, seus traços, sua genética, seu fenótipo e a infantil tentativa de negar a construção social que tem o gosto. Somos, todos nós – negrxs e brancxs – expostos desde crianças a propagandas, programas infantis, desenhos, revistinhas em que predomina um padrão de beleza europeu. “Gosto não se discute” porque a mídia já deliberou sobre ele por nós, apresentou-o e nós, como o esperado, compramos não só o gosto mas também o slogan. Continuemos sorrindo!