Certa vez, caminhava por uma Feira do Livro dentro de uma das maiores universidades públicas de São Paulo, à procura de livros infantis para o meu pequeno Vinícius de 04 anos de idade. Buscava livros com histórias protagonizadas por personagens negros e foi então que percebi que seria o início de uma longa e cansativa saga para encontrar livros com essa característica.
Segundo seus organizadores, a feira tinha 130 expositores e mais de 150 mil títulos estavam disponíveis. Contudo a dificuldade em achar livros com personagens negros foi tamanha, que depois de muito caminhar e gastar sola de sapato, encontrei apenas 02 expositores que vendiam livros infantis com protagonistas negros. Aproveitei a oportunidade e enchi a sacola, mas isso me fez refletir e pensar no quanto ainda é difícil encontrar referências negras positivas na literatura infantil para crianças negras no nosso país e no quanto cada mãe e pai precisam lutar diariamente para a construção da autoestima e valorização de noss@s filh@s pret@s, mesmo sob as piores condições!
Entre os livros estava ele, Os Ibejis e o Carnaval da editora Pallas, que logo de imediato me chamou atenção pelas cores vibrantes e alegres da capa, onde se destacam dois personagens bem pretinhos, em meio a outros. O livro é inteiro vibrante, com ilustrações perfeitamente combinadas com a história, que é escrita de modo coloquial e agradável à leitura, o que só contribui para aguçar ainda mais a curiosidade de olhinhos sedentos por aventuras.
Nesse belíssimo livro, a escritora Helena em seu papel de avó, conta as histórias do Carnaval para os seus netos gêmeos Neinho e Lalá, por isso ibejis, nome africano para gêmeos. A história se desenrola na cidade do Rio de Janeiro a partir do nascimento das crianças que são recebidas na família com muito amor e festa, pois afinal de contas, as pessoas são o bem mais precioso para uma comunidade negra, como o próprio livro diz.
Neinho é um garoto doce, sensível e organizado. Sua irmã Lalá é extrovertida, solidária e muito curiosa. A partir de uma de suas típicas discussões entre irmãos, as histórias do nosso Carnaval são abordadas por meio de um gostoso diálogo entre a avó e os netos.
Assim, encontramos no livro influências africanas nas diferentes formas de brincar o Carnaval, por meio de escolas de samba, em blocos afros da Bahia, blocos de embalo no Rio de Janeiro e mesmo em afoxés. Também acabam citando integrantes ilustres de algumas escolas de samba, como um mestre sala da Escola de Samba Salgueiro e uma porta-bandeira da Escola de Samba Beija-Flor, entre outros personagens, que acabam se tornando fonte de inspiração e de incentivo para que os ibejis venham a formar um casal de Mestre Sala e Porta-Bandeira.
Ao utilizar o Carnaval tradicional como fio condutor da narrativa, a autora consegue apresentar elementos de representação negra, com uma abordagem muito respeitosa que enaltece e reconhece aspectos da herança cultural afro-brasileira, ainda pouco abordados em livros infantis. A partir do nascimento dos ibejis, esses aspectos são explorados como forma de demonstrar referências positivas às crianças negras e valorizar a diversidade étnica-cultural de origem africana, como por exemplo, o ritual tradicional de apresentação dos recém nascidos à lua, o respeito aos animais, às plantas, o conhecimento oral transmitido pelos mais velhos para contar passagens da famosa festa popular, explicando como a oralidade é passada através de histórias de geração à geração.
Bem, aqui em casa este é um dos livros com sucesso garantido e um dos mais solicitados nos momentos de rodas de história e conversas, sejam familiares ou entre amigos. E para ajudar a elucidar as curiosidades que a narrativa pode suscitar nos pequenos (e nos adultos também), o livro ainda possui um riquíssimo glossário que descreve os termos abordados ao longo da história, como os instrumentos de percussão, os ritmos, os diferentes blocos, a origem da festa e breve histórico das pessoas citadas, satisfazendo todas as curiosidades possíveis com informações diversas sobre o nosso Carnaval.
Finalizo essa resenha e indicação com uma frase que a própria avó termina o livro: “Dançar é entrar em contato com o cosmos, com Deus. Esses são os ibejis. Brigam, discutem, mas se curtem e se amam.”
Autora: Helena Theodoro
Ilustradora: Luciana Justiniani Hees
Editora: Pallas, Rio de Janeiro, 2009
Imamgem de destaque – Luciana Justiniani Hees