É quase final de 2018 e nunca na história desse país (sic) nós desejamos tanto que um ano terminasse logo. Sim, todos os anos desejamos a mesma coisa, mas esse, parece que nunca vai terminar. Xangô e Oyá espalharam fogo e vendaval de justiça, deixando cair máscaras, levando muitos de nós, mas também trazendo uma brisa de esperança para a nossa luta.
Foi um ano de acontecimentos surpreendentes, de surpresas boas e péssimas: o Fórum Social Mundial na Bahia e a longa história da construção do Encontro Nacional de Mulheres Negras 30 anos; Revelação do escândalo da Cambridge Analytics e o Facebook no banco dos réus no EUA e como isso influenciou nossas conversas sobre “fake news”, eleições e democracia; Intervenção Militar Federal no Rio e Reforma da Previdência anunciada; O assassinato de Marielle Franco; Lula preso e uma sucessão de protestos #LulaLivre pelo Brasil; As mulheres liderando os protestos #ForaTemer e os diferentes assassinatos de meninos negros [Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, Wallace Marques da Silva, de 14 anos, Thierry Balarmino, de 13 anos e Caio Nogueira, de 14 anos…]; Greve dos Caminhoneiros (ou lockout?) e nossa mini escassez de alimentos e bens de consumo; Os refugiados venezuelanos e a crise nos nossos estados fronteiriços; A copa do mundo no meio de tudo isso e a feliz participação dos jogadores negros nas seleções colonizadoras; as inúmeras mulheres negras que publicaram seus livros e textos batendo recordes, novos sites de mídia negra e revistas incríveis; as dezenas de mortes de defensores do campo, quilombolas e indígenas, mas também a primeira mulher do povo Guajajara a disputar a vice-presidência num partido de esquerda; as eleições e toda sua treta e finalmente a vitória do Bolsonazi.
Claro que em meio a tudo isso aconteceram fatos nas regiões, nas cidades e nos bairros que nem a maior equipe de jornalismo investigativo conseguiria relatar aqui, nessas tão poucas e mal escritas linhas. Mas sabemos que este site e seus textos escritos e mais lidos refletem o cenário e a narrativa nacional, a partir da ótica das mulheres negras feministas – longe de ser claro, sua unanimidade ou consenso.
Aqui você também pode ver o que de melhor aconteceu para o povo negro brasileiro esse ano, levando em consideração que tivemos muitas retiradas de direitos, em que perdemos muito tempo defendendo um projeto político que não nos representava (mas que ainda assim defendemos porque né, aquele velho espírito do menos pior) e num ano onde nossa vida foi explicitamente exposta as dores da morte nos assassinatos brutais, como o de Mestre Moa do Kantendê. Está longe de ter sido um ano vitorioso, mas aprendemos muito também.
Aprendemos a falar que #NósSabemos a nossa história! [obrigada Alex Cobbinah], que temos sim memória e que nossa luta – que vem de muito longe – jamais se renderá mediante as lógicas exterminadoras e destruidoras. Nós sobrevivemos a escravidão, amores e não é fácil vencer um povo que não deixar escravizar suas mentes. Aprendemos com as perdas que precisamos nos proteger, fortalecer nossas redes, aprender sobre os assuntos que não dominamos, fazer alianças sólidas e entrar de cabeça na revolução do lado da juventude. Aprendemos muito em 2018.
E eis o resultado: uma lista, fruto claríssimo da escrita de muitas mulheres negras, que dedicaram horas, minutos, segundos preciosos dos seus dias . Uma lista dos 20 textos mais lidos de 2018, que reflete também um conjunto de pensamentos, assuntos e temas que são reflexo da conjuntura brasileira. Há muito mais mais lidos, são só as nossas limitações humanas que nos impedem de completar uma lista com os 100 mais: precisaríamos de mais tempo pra tal! A nossa lista diz muito sobre o trabalho, o esforço coletivo e individual de cada uma das autoras, em pensar, refletir e vencer o medo da escrita. Em se colocar no mundo a partir do seu ponto de vista e tecer linhas que completam o tecido do pensamento das mulheres negras brasileiras.
Pra nós tem sido uma honra, desde 2013, acolher, conversar, trocar, editar, aprender com a escrita das mulheres negras, nossas autoras: Blogueiras Negras. Obrigada pela dedicação de vocês. A casa é sempre nossa! E vamos à lista:
- O primeiro texto [A cor da violência: Feminicídio de mulheres negras no Brasil] é de uma dupla que deu certo: Aline Silveira e Laura Sito falam sobre violência contra mulher: o feminicídio. Cheio de referências e com uma boa análise sobre as estatísticas, as pretas falam como o racismo, o sexismo e a misoginia se entrelaçam para ser a base da violência contra as mulheres negras, que apenas cresce no Brasil.
- A querida Juliana Bartholomeu traduziu o segundo texto mais lido de 2018: Sete características de uma mulher empoderada, psicologicamente falando. Texto incrível publicado na MSAfropolitan, que problematiza a aplicação do empoderamento, sobretudo o econômico, além de discutir e enumerar as características do que isso significa numa mulher negra. Vale a pena ler.
- Politizada, certeira e pragmática, Bruna Rocha escreveu Os perigos do “racismo cordial” na sociedade do espetáculo nos trazendo uma reflexão babadeira sobre o racismo a brasileira, a democracia racial e sua relação com o capitalismo: de fato um texto bacana de ler e que traz pensamentos muito objetivos sobre o racismo na nossa sociedade. Tem que abrir essa aba!
- O filme mais comentado do ano foi registrado nesse site pelas penas de Mariana Barbosa – Blogueira Negra vea de guerra! – que primorosamente nos presenteou com o texto Pantera Negra e a renovação da África no imaginário da Diáspora. Como bem explicitado, não se trata de uma crítica, mas uma análise profunda sobre símbolos, significados e o impacto do filme para a nossa comunidade. Que textão, senhoras! Tem que ler e depois assistir pra ficar fazendo #WakandaForever por aí.
- Mas teve critica também: o quinto texto mais lido de 2018 foi de Karen Cruz: A representatividade de “Eletrocardiograma” e o lugar de Flora Matos no debate racial. Publicado originalmente no SintoniaRap, o escrito traz não só uma boa análise do álbum completo como discorre sobre a polêmica música “Preta de quebrada”. Um questionamento sobre a trajetória da cantora, sua autoafirmação racial e as bem pontuadas questões sobre violência e relacionamentos abusivos heterossexuais. Outro texto que é imperdível.
- Blogueira Negra velha e de pena antiga também tá na lista: Mabia Barros, depois de escrever sobre a Síndrome de Cirilo, apontou aqui com seu texto Cuidado com a Síndrome da Impostora. Uma reflexão muito importante sobre nossa saúde mental e os reflexos do racismo na nossa vida profissional, acadêmica e também amorosa. Tem que ler e fazer o exercício recomendado por ela 🙂
- E não podia faltar ela: Maria Clara Araújo tem um dos textos mais lidos desse humilde site! Transfobia é um vício branco traz seu pensamento sobre o que significa essa construção brutal na nossa sociedade e com ela vem também o pensamento de Érica Malunguinho acerca do que é coletividade, reprodução de opressão e sobretudo descolonização. Um texto rápido e gostoso de ler que precisa estar na ponta da língua de toda mulher negra cis.
- Tem texto da Blogueirinha Vea na lista dos mais lidos também: Winnie Bueno traduziu as gírias sul rio grandenses e escreveu com todo sarcasmo pra gente: “Bodosa, Brabona, Foda”: Todo mundo tem algo a dizer sobre as mulheres negras, ninguém tem tempo para ouví-las. Escrito que fala sobre os estereótipos que recaem sobre as mulheres negras brasileiras, além de fazer uma análise sobre relacionamentos heterossexuais entre homens e mulheres negras cis. Um textão com referências de Patricia Hill Collins, Deivison Nkosi e Leonardo Custódio – outra aba pra ficar aberta pra sempre e indicar para os meninos discutirem masculinidade.
- Outro mais lido trata de política e mulheres negras: nossa amiga, companheira e irmã de fé Maria Teresa Ferreira escreveu O longo caminho das mulheres negras ao voto justamente no dia oito de março, quando as feministas todas estão comemorando o sufrágio universal [pra quem, neam?]. Seu texto incrível pincela aspectos do mundo privado e público, da luta das mulheres negras e a transversalidade desse assunto. Pra entender sobre política, tem que passar por esse texto!
- O décimo texto mais lido é da nossa Pernambaiana Gabriela Monteiro: Esse roubo que não pára (ou sobre o nosso pacto de existir e não morrer envenenado pelo projeto colonial). Emocionante, profundo, rasgante. Gabi fez chorar muita gente com esse texto-denúncia, com palavras desenhadas de um jeito a nos prender e fazer lacrimejar em cada linha, cada ponto, onde ela escreve sobre opressões sofridas por nós, mas também sobre as nossas fagulhas criativas [citando Angela Davis], puxando em sua escrita tão oral outras mulheres negras pela mão. Essa aba tem que ficar aberta também no seu computador!
- Larissa Queiroz emplacou o texto Sobre ser negra e bem sucedida na nossa lista! Questões sobre racismo institucional, saúde mental e meritocracia são tratadas a partir de uma visão experimentada e real dos fatos explicando oportunidade, acesso, capacidades que de verdade oferecem suporte para o que significa ser bem sucedido numa sociedade racista. Um texto retado!
- Carol Bispo também tá com a gente: escrevendo sobre autodeclaração, descobertas sobre sua identidade e privilégios de ser mulher negra de pele clara no texto Deixando de se ver como “a clarinha” a autora vem com sua experiência nos lembrar o que é a vivência de muitas das mulheres negras brasileiras, numa profunda e também dolorosa descoberta de si. Abre mais essa aba, bê.
- Tecnologia foi um dos assuntos mais falados de 2018, não à toa, ele também está aqui no top 20: Como é difícil viver o que se prega na internet, só que fora dela foi o que Livia Teodoro escreveu pra gente sobre racismo online, discursos de ódio e o comportamento da nossa comunidade a respeito das lutas e batalhas travadas no ambiente online que também precisam ir para o offline. Brilhantemente escrito, o texto explora não só a ponta dos odiadores profissionais, mas também nosso papel de defensores de direitos humanos quanto a questão da população T e de suas mortes reais e simbólicas. Esse texto tem que ir pras rodas de discussão sobre machismo e discursos de ódio na internet. Anota, mana!
- Como não podia faltar, a pauta sempre mais acessada de todos os tempos: racismo! Claro que todos os textos são indiretamente ligados ao tema, mas esse de Ana Luiza Guimarães fala especificamente da estética do racismo, intitulado Estética Racista: o não reconhecimento do indivíduo negro, explicando o processo de negação que mina as identidades e nos coloca a margem de todos os lugares de suposto poder. Um texto curto que vale a pena dedicar tempo pra ler.
- Alguns chamariam esse texto de acadêmico, não só pelas referências mas sobretudo pelo estilo da escrita. O que pra nós importa é o que a autora nos tem a dizer, e nesse caso Winnie Bueno tem muita coisa! No seu texto A intelectualidade como experiência a autora disseca Hill Collins além de chamar pra roda Fanon, Sueli Carneiro, Angela Davis e Luiza Bairros para argumentar o porque as nossas e nossos pensadores fazem mais sentido: porque a gente parte da prática! Esse é um dos mais lidos que dá água na boca e que rende um monte de discussão da faculdade à mesa do bar. Salva pra tu e não esquece de ler antes de virar 2019.
- Outra Blogueira Vea na lista: Eliane Oliveira, a bença! Com um assunto quentíssimo também escrito por nossa comunicadora-mor Rosane Borges, o texto Representação, representatividade e as armadilhas do neoliberalismo traz a baila as discussões sobre a máxima #RepresentatividadeImporta e põe em cheque o que tem sido a “armadilha discursiva que individualiza nossas ações”. Genial, Eliane escreve de maneira leve e nos brinda com a presença de Audre Lorde na sua conversa. As comunicadoras não podem deixar de ler, hein?
- Maternidade também é um assunto que a gente trata e tá nos mais lidos, viu? Nana – Maternidade Preta escreveu pra gente o texto Precisamos falar de educação, maternidade preta e do complexo de salvador da pátria da branquitude. Denunciando as maluquices das mães brancas e com dados e estatísticas sobre educação, redes de apoio, o texto vem nos lembrar que educação sempre foi uma preocupação das mães negras periféricas e que essa luta é prioridade no avanço de um país que negligencia vidas negras. Aqui é pra ler e aprender com as mãe preta!
- Um dos mais lidos trata de um dos assuntos que mais dói: Respeitem a memória de Marielle Franco. Foi assassinato é um grito de todas as autoras, de todas as mulheres negras que continuam a se perguntar quem matou Marielle Franco. Além da tristeza, o texto denuncia o massacre em Acari e a intervenção militar como um dos grandes males da violência do estado no Rio de Janeiro.
- Natália Neris, essa mesmo, a escritora, pesquisadora e princesa do Nilo escreveu o texto que também está nos mais lidos de 2018: Como a internet debate racismo. Um baita textão que revela os resultados de uma pesquisa realizada em novembro de 2017 mostrando como os assuntos individuais dominam a esfera pública no debate sobre racismo na rede. Quem trampa com tecnologia tem que ter esse texto nos favoritos, serião! É uma aula e pode ser fonte de um monte de argumentos e explicações para teorias e teses sobre racismo e sua relação com as novas ágoras digitais. Salva aí, menina.
- E não à toa o nosso último texto a figurar a lista dos mais lidos de 2018 é o da campanha 300 vozes negras – por Marielle Franco.Iniciada por Kettty Valencio, a campanha continua no ar, recebendo solicitações de mulheres negras que queiram participar deste texto coletivo que em 2019 se desenrolará em algo muito maior. Leia, participe e espalhe para que a gente faça valer a memória dela e dê continuidade ao seu legado de luta.
Os 20 mais lidos de 2018, como a gente disse no início, refletem o pensamento e a conjuntura brasileira neste ano. Além desses textos, tem um montão mais que trazem uma visão bem apurada do que significou o olhar das mulheres negras feministas que escrevem nas Blogueiras Negras – uma parte de um retrato da realidade. Analisando nossas estatísticas, percebemos que alguns assuntos foram também os mais escritos e mais acessados: textos sobre cotas e a fraude do povo branco nas universidades públicas, escritos sobre política e o papel das mulheres negras – além de boas críticas a esquerda branca e seus movimentos escusos – e claro, as feridas e legados deixados com a morte de Marielle Franco [e aqui cabe dizer que as mulheres negras silenciaram por um tempo e logo em seguida vieram com toda força escrever, nos revelando a intimidade de parte do processo da escrita].
Só nos resta agradecer: o aprendizado de cada leitura, cada conversa e troca. Por manterem a tradição dos bons textos e da dedicação ao desafio que é a escrita. Somos uma comunidade com 400 de nós! Que escrevem com regularidade ou não, que escrevem mas que também se dedicam a ler – e podem voltar a comentar também, sentimos saudades ahahahaah. Obrigada por nos manter vivas e no ar nesses 6 anos, firmes e fortes nessa batalha. E que venham mais textões, denúncias, declarações de amor, reflexões e diálogos através da tela. Adupé!