“I said: Rock, what’s a matter with you, Rock?”
“eu disse: pedra o que aconteceu com você, pedra?”
Quantas vezes a gente se olha no espelho e tenta buscar na gente a resposta que está alheia. Incontáveis.
A humanidade faz um jogo torpe quando escolhe determinadas verdades para si. O racismo é uma dessas, e nele, infindáveis contradições que enlouquecem as pessoas que dele são vítimas. Essa experiência é minha, mas podia ser de qualquer uma outra mulher que tem na pele a cor da noite.
Um dia, a alegoria da desumanidade disse: você é corpo! E só será corpo. Só nos serve como corpo transmutado em mercadoria que não sente, não fala, não elabora. E assim a desvalorização do nosso ser integral desencadeou o peso na mente.
Se sou só corpo, preciso provar para aqueles que assim o pensam que há algo além: penso, logo existo. E pensar num primeiro momento nos faz parecer não pertencer àquele corpo noturno; pensar ilude o nosso trânsito no mundo como aceitáveis, admissíveis. Mas até a metade da primeira página.
Porque no fundo, pensar mascara o que de fato se sente nos desvios dos corpos, dos olhares, nos discursos fantasiados de elogio, nas desconfianças e nas aberrações ouvidas à nossa revelia. Permanecemos pensando, como se a cabeça não fizesse par com o corpo.
“So I run to the river, it was boilin’”
“então eu corri para o rio, ele estava fervendo”
Mas se eu penso, porque ainda assim não me chega a humanidade?
Qual é essa lógica que transpassa meu corpo como um raio atravessa abruptamente um espelho? Existe lógica na desumanidade do sistema de poder baseado na cor das pessoas?
O corpo reclama. Infindas dores, náuseas, paralisias musculares. O corpo não aguenta a desconexão com a cabeça, como se fossemos dois estranhos a habitar o mesmo espaço. O corpo exige a conexão ori-ara e a transmutação da dor, em algo que até então não existe.
Não tem pra onde correr: A loucura de pensar x não pensar esbarra no sentir. Esbarra na experiência do corpo que tenta arduamente negar o sentir, negar a elaboração complexa do pensamento que nenhum outro é capaz de compreender, a não ser o seu igual. Nenhuma conversa complexa é capaz de ser inteligível a não ser por um seu semelhante (racialmente consciente). E fora isso, toda simples argumentação parece balela, equívoco, imbecilidade. Na verdade, o racista desconhece a complexidade da teoria racial. Obrigada Charles Mills (risos).
Nós continuamos correndo contra a esteira da academia. Suando e delirando a cada argumento inacabado, a cada pedido de desculpas aceito ou a cada poética criada para superar o trauma pós-escravidão. O corpo que pensa: Obrigada Linn da Quebrada!
Toda a nossa tentativa entranhada de expressar alguma raiva, descontentamento ou perversão traduzida em argumentos altamente inteligentes – desde Sojourner Truth até Lélia González – para denunciar o racismo, esbarram na simplória e medíocre falácia da branquitude em repetir: “ela é imcompetente e sempre que é confrontada argumenta que é racismo”. Burra Branquitude.
E novamente nos confrontamos com nós mesmas: Para além da nossa mente, que lugar ocupa o corpo? E porque permanecemos ali, entre o argumento torpe e a poesia dos nossos corpos?
Eu cansei, e chorei.
“I cried, power”
“eu chorei, poder!”
Expurguei de mim a culpa da falta de habilidade branca e rezei “Ori, me permita pensar coisas boas. Me permita agir a partir de pensamentos bons”. Power! Power to da Lord! (Poder! Poder para o Senhor!)
E decidi não mais ensinar, não mais argumentar, nem ser condescendente nem muito menos explicar minha loucura. Ser igual aos cães da rua e caminhar!
Para me entender, me fazer entender e existir é preciso dar ao racismo espaço. Dar ao entendimento do outro, algum compasso e me deixar inundar pelas águas dos rios que me transpassam. Caudalosos como meu choro de raiva.
Não é possível mente sem corpo. Nem sentido sem memória. Adupé, Carmelita!
Não será mais possível calar, e interditar o trânsito do corpo-dor com a mente-efusão. Nenhum passo atrás das reflexões construídas com as aliadas, numa tarde de sexta-feira. O amor nos encontrou e poder nos restaurou. Aleluia!
Nós choramos, mas não desistimos. Nós brigamos, mas não nos destruímos. Nos encontramos paulatinamente na conexão sagrada ori-ara, revivendo a nossa memória entre os nossos, nos nossos espaços sagrados; traduzindo epistemologicamente o caminho para as um pouco mais novas. As Tobossis, as Abiãs.
Nós vamos correr para as inexplicáveis águas vermelhas e borbulhantes do rio.