De Carolina Maria de Jesus à bell hooks, as mulheres negras tem se reinventado no jeito, nas teorias e práticas de ensino-aprendizagem. Há quem diga que os movimentos de mulheres negras – sejam eles feministas ou não – não tem paciência, não se fazem “pedagógicos”.
O fato é que há pelo menos 500 anos estamos nós, as mulheres negras feministas desenhando estratégias, escrevendo, transmitindo oralmente ou através de outros métodos o que aprendemos umas com as outras, das mais velhas para as mais novas, de geração em geração. Seja dentro dos movimentos organizados, nas universidades, nos grupos de apoio ou nas nossas famílias, é negro como a cor da noite o nosso esforço em sistematizar e compartilhar nossas experiências adquiridas, seja fruto do enfrentamento ao racismo, seja fruto da nossa inventividade y criatividade.
O recém lançado livro Pedagogias Feminista Negra: primeiras aproximações vem provar – desde Patricia Hill Collins até Sueli Carneiro, que nós pensamos, experienciamos e inventamos jeitos de aprender e ensinar, de trocar e que a Educação é a base da transformação que acreditamos como projeto de bem-viver. Conversamos com a organizadora, professora doutora Carolina Pinho sobre essa publicação incrível que já chegou nas nossas mãos e que se faz necessária para o momento brasileiro em que estamos vivendo.
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Blogueiras Negras: Quando surgiu a ideia do livro?
Carol Pinho: O livro surge de uma demanda identificada em diversos estudos, mas também em nosso cotidiano: em um país tão negro como o Brasil, as respostas científicas aos fenômenos são oferecidas prioritariamente por teorias produzidas a partir de matrizes teóricas e pesquisadores brancos e brancas, ignorando todas as outras possibilidades epistemológicas oriundas de povos não brancos. Entretanto, o que vemos é que a complexidade dos fenômenos da realidade não podem ser respondidos apenas a partir de um ponto de vista que é hegemônico há séculos e tem se mostrado insuficiente.
Identificamos que não é possível mais ignorar toda uma sabedoria produzida pela maioria da população humana – pessoas negras, indígenas, ciganos, LGBTQI+ e outros povos. As mulheres negras, que é nosso caso, tem apresentado ricas contribuições que não podem ser mais ignoradas, inclusive sobre os fenômenos educacionais.
O livro surge da necessidade de sistematizar essas contribuições. A operacionalização disso aconteceu através da primeira edição do Curso de Extensão de Pedagogia Feminista Negra, acontecido na Universidade Estadual de Feira de Santana, em 2020, sob minha coordenação geral e coordenação pedagógica de Tayná Mesquita.
Blogueiras Negras: Pedagogia Feminista Negra se insere no hall das publicações de mulheres negras que tem uma epistemologia toda própria. O que vocês querem apontar neste livro?
Carol Pinho: Do ponto de vista de avanço do ser humano como ser social, todos perdem quando se privilegia respostas oriundas de apenas uma origem: branca, masculina, cisgênera e do norte do globo. O que vem acontecendo é o reforço da perspectiva de que só há possibilidade de se construir respostas cientificas se você for homem e branco. Ou seja, a ciência vem reforçando o racismo e, como isso, atrapalhando que a gente encontre alternativas concretas ao capitalismo.
No livro, problematizamos a forma como o racismo tem contribuído com a desumanização de seres humanos e apresentamos proposições de organização pedagógica que partem do pensamento feminista negro no mundo.
Blogueiras Negras: Quais são as autoras e quais delas você destacaria?
Carol Pinho: Somos 12 autoras que escrevemos a partir de nossas intervenções, movimentos sociais, universidades, sala de aula da educação básica. Cada texto apresenta diferentes dimensões do problema educacional dialogando com a contribuição intelectual de mulheres negras.
Há um texto de abertura que propõe as bases fundamentais da Pedagogia Feminista Negra e a partir dele trazemos diversas discussões tais como a contribuição do movimento de travestis para a educação, as relações educativas construídas nos movimentos sociais, uma análise de como se constrói a pedagogia do racismo, as relações estabelecidas em uma educação superior em uma universidade apenas para mulheres negras. Também falamos que elementos mais práticos tais como a organização de um Projeto Político Pedagógico não racista, as possibilidades de uma educação não racista para crianças e bebês, além de outros textos incríveis!
Blogueiras Negras: No que você pensa que esse livro pode contribuir com a realidade da educação nesse país onde esse direito básico tem sido tão sucateado?
Carol Pinho: O sucateamento da educação brasileira é um projeto de destruição do povo, que no Brasil é majoritariamente negro. Negar uma educação de qualidade é negar o direito à humanização.
É necessário uma resposta urgente, que é política, através da ampliação de financiamento, mas também através da disputa dos rumos das respostas científicas aos fenômenos da realidade.
Neste sentido, nosso livro é uma inovação porque apresenta a sistematização de uma tecnologia que tem dado certo: as mulheres negras foram e são fundamentais para a existência de uma experiência educacional que preserva a identidade negra no Brasil e na América Latina. Essa tecnologia não é sistematizada e difundida devido às opressões que são institucionalizadas. Romper essas barreiras é possível e necessário e o livro se propõe a contribuir com isso.
Nossos ancestrais já provaram que podemos e nós estamos aqui pra provar que estamos vivas no jogo pra disputar os rumos para uma sociedade justa e sem opressões.
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