Por Dani Bastos para as Blogueiras Negras
Na sexta feira dia 13 de setembro de 2013, recebi uma notícia maravilhosa: o projeto de pesquisa “Matriarcado e fé, da Jurema ao Orixá: a história de Mãe Fátima de Oxum”, que pretende contar a história de Maria de Fátima Diniz, yalorixá de 65 anos e com 32 anos de iniciada, tinha sido aprovado no edital do FUNCULTURA – Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura, que recebe inscrições de projetos de produtores culturais independentes de todo Estado de Pernambuco.
É indescritível a sensação de felicidade e emoção regada de saborear uma conquista social, histórica e política dessa natureza. Conseguir financiamento/incentivo do Estado para uma pesquisa que se propõe a tratar a história da mulher negra, pobre e do candomblé como protagonista.
Resolvi, então, compartilhar a linha de raciocínio que originou e fundamentou o nosso projeto com o texto que segue abaixo.
Todo ponto de vista é a vista de um ponto, afirma o teólogo e escritor Leonardo Boff.
A história “oficial” ensinada nas escolas relata os acontecimentos e práticas históricas a partir do ponto de vista dos dominantes, ignorando, suprimindo ou até pior, deturpando, dando um aspecto menor e pejorativo ao ponto de vista dos povos dominados. E essa história foi contada e recontada tantas e tantas vezes durante as décadas, que passaram a ser aceitas como verdade.
E é assim que no imaginário da grande maioria dos brasileiros o Brasil foi “descoberto” no ano de 1500 e não invadido, usurpado e explorado à custa da dizimação de vários povos indígenas. É também assim compreendido que no dia 13 de maio de 1988, a Lei Áurea aboliu a escravidão, o racismo, o preconceito, a discriminação e a intolerância religiosa no Brasil como num passe de mágica.
“Enquanto os Leões não tiverem seus próprios historiadores, as histórias de caça sempre glorificarão o caçador”, diz um provérbio africano.
Tendo esse provérbio como ponto de partida para a reflexão que queremos desenvolver aqui, podemos constatar que as histórias dos negros no Brasil ainda são desconhecidas. E as histórias dos negros, contadas pelos negros, a partir do prisma dos próprios negros são ainda mais desconhecidas, podemos dizer sem nenhum exagero, são invisíveis, inaudíveis.
Os poucos registros documentais e bibliográficos existentes, levando em consideração que tivemos cerca de três séculos de tráfico negreiro no Brasil, são elaborados em sua maioria a partir das informações registradas nos arquivos policiais ou das notas de jornal de mais de um século atrás colocadas pelos “senhores”, que eram os proprietários de escravos descrevendo as características físicas, as roupas, adereços e até traços de personalidade, no intuito de recuperar seus escravos que haviam fugido “sem motivo aparente” (como se ser escravo não fosse motivo suficiente!).
Temos muito poucos registros, obras, documentos e livros com o negro no papel de protagonista. Quando falamos das mulheres negras, esses registros são praticamente inexistentes, como constatou a historiadora Suely Creusa Cordeiro de Almeida:
Abordar o tema das mulheres no recorte da história colonial brasileira é um desafio, ainda mais, tratá-lo a partir de uma Capitania como Pernambuco, pois os poucos fragmentos das passagens das mulheres estão espalhados nos mais variados fundos arquivísticos, quando não foram completamente destruídos ou simplesmente não existem.¹
É de conhecimento geral que a principal forma de transmissão dos saberes do povo negro foi, é e sempre será oral, olho no olho, através do diálogo, da vivência e da experimentação, mas nos dias de hoje acredito com veemência na possibilidade de adaptação de histórias orais para a forma escrita sem a perda da essência, porque somos nós que estamos escrevendo nossa própria história.
A partir do nosso olhar, do nosso compreender, com a nossa cor, com a nossa voz! E essa voz tem que ecoar e repercutir, cada vez mais forte, mais alto e dar a volta ao mundo, mundo que também é nosso e talvez assim possamos um dia superar de vez o machismo, o sexismo e o racismo no Brasil.
E para finalizar, trazemos uma frase do livro Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola: “As mulheres desenharão portas onde não houver nenhuma. E elas as abrirão e passarão por essas portas para novos caminhos e novas vidas. Como a natureza selvagem persiste e triunfa, as mulheres persistem e triunfam.”.