Por Jaqueline Gomes de Jesus para as Blogueiras Negras
A complexidade das experiências humanas se encontra, no mundo de hoje, com a aceleração dos processos de comunicação no contexto de ações e interações interpessoais, grupais e sociais que podem parecer fragmentadas, mas que a um hipotético observador externo soariam quase uniformes.
O maior acesso a meios de comunicação alternativos aos tradicionais (de cunho eminentemente comercial, tais como os jornais, revistas, rádio e televisão), propiciado pela popularização da internet, tem visibilizado opiniões, realidades e demandas de pessoas e grupos que, historicamente, não encontram espaço nas ditas grandes mídias, mainstream.
Às margens dos canais mais privilegiados, em termos financeiros, o critério da fidedignidade na divulgação sobre o que ocorre e o que pensam determinadas populações é cada vez mais desacreditado, tendo-se em vista a subrepresentação ou representação estereotipada de, por exemplo, pessoas negras, indígenas, oriundas de comunidades periféricas ou carentes, nordestinos, mulheres, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, entre outros seres humanos oprimidos.
É por meio de blogs, microblogs, redes sociais e sites desvinculados das mídias financiadas pelo capital da propaganda ou dos governos que essa população critica as identidades que lhe foram atribuídas e constroem outras, subjetivam a sua vida e a cultura que os cerca a partir de suas próprias sensibilidades, de suas maneiras de ser, pensar e agir. Querem ser símbolos de si mesmos, e não serem retratados pela imagem deteriorada que deles tem sido difundida pelos formadores de opinião mais empoderados.
Mais do que um painel para discursos isolados, a internet tem se tornado o palco para a polifonia da sociedade civil organizada, dando conta da complexa realidade que caracteriza a contemporaneidade, pautada por uma diversidade de discursos apresentados de maneira progressivamente dinâmica e, principalmente, autônoma, por meio de redes inorganizáveis pelos modelos atuais das publicações impressas, programas televisivos e radiofônicos: a dificuldade de compreensão não decorre do formato da mídia, mas, isso sim, do espírito que fundamenta a lógica de interpretação dos fatos.
Os blogs, em tal conjuntura, tornam-se documentos básicos – e um rico material de pesquisa social – para se conhecer o pensamento contemporâneo pelo olhar dos estranhos, dos excluídos, dos outsiders, aquém dos egos comumente valorizados pelo mercado editorial e publicitário vigente.
Para quem quiser entender as recentes mobilizações sociais de rua em todo o Brasil, organizadas por meio das redes sociais virtuais, uma leitura a partir desses olhares desvinculados de instituições formais é imprescindível. Engana-se e enganará outros, quem pensa que entenderá o modus operandi de manifestantes com discursos difusos contra toda e qualquer autoridade, se não buscar conhecer suas visões de mundo e posicionamentos postados em microblogs, blogs, murais e comentários ao longo da web.
Por isso é importante ler as/os blogueiras/os e demais escritores do ponto.com: ao contrário do senso comum sobre essas produções, que geralmente as simplificam como meras expressões de intencionalidades militantes sem fundamentações teóricas ou empíricas sólidas, entendo que os textos pluralizados no mundo virtualizado são recursos poderosos para questionarmos algumas perguntas e respostas prontas; são retratos de atitudes progressistas para com a nossa vida hiperconectada, porém ainda muito aferrada a conceitos e práticas caducos.
Sim, esses textos não buscam – pelo menos não imediatamente – resultado algum senão o de relatar experiências de identidades/alteridades sistematicamente desprezadas pelo mercado.
Ressalto que não pretendo aqui defender uma consciência coletiva idealmente racional e uniforme advinda da internet, porém, também não advogo o propalado discurso do mau uso da web como se fosse uma exclusividade dela.
Há de fato desinformação, evidente ódio e preconceitos explicitados, porém esses novos e interativos meios de comunicação vão além disso, configurando um quadro vivo dos temas que afetam parcelas politicamente e economicamente minoritárias da sociedade da informação, que no caso de grupos como o de negros e o de mulheres (negras ou não) constituem uma maioria demográfica.
Os blogs, microblogs, sites, redes sociais e tantos outros recursos do mundo virtual, no seu desarranjo e ingovernabilidade, são o território no qual estão sendo gestados os seres humanos digitais, assim, no plural mesmo; os quais, nestes dias, têm demonstrado que reconhecem a importância de levarem suas vozes para o espaço das ruas, aqui e em outros cantos do mundo físico.
Jaqueline Gomes de Jesus é Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília – UnB e Professora do Centro Universitário Planalto do Distrito Federal – UNIPLAN.Escreve no blog Jaqueline J.
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