Alerta de gatilho – O texto a seguir trata de como o racismo acadêmico afeta nossos corpos e nossas mentes, nos levando a pensamentos que causam ainda mais sofrimento. Caso sinta necessidade procure apoio antes e depois de prosseguir com a leitura.
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Esses dias têm sido caóticos, pois a minha existência pretativista está em ameaça. Cheguei a pensar em suicídio como a única saída para os efeitos mentais e físicos que o racismo acadêmico me causa diariamente. Sou doutoranda de uma universidade de certo prestígio e sou orientada por uma mulher negra. Ambas somos sobreviventes, cada uma com as suas sequelas invisíveis, vem existindo no espaço acadêmico.
De início, vale a pena ressaltar que eu tinha o sonho de que uma das etapas de minha formação fosse com uma professora negra. Contudo, ingênua, eu não tinha dimensão de que a maioria das professores doutoras negras são mulheres traumatizadas pela violência constante no espaço acadêmico, a qual vem de toda parte, principalmente de colegas de trabalho. Disseram-me que para sobreviver nesse espaço é necessário atuar: fingir simpatia, fingir aceitação, fingir subalternidade, por exemplo. A fim de não ser mutilado, ser aceito, uma demonstração de que é tolerante ao poder da branquitude nesse espaço.
Tristemente, percebi que uma traumatizada pode traumatizar ainda mais outra mulher negra nesse contexto. Inquieta, recuso-me a aceitar isso como algo natural. Mulheres negras, por mais pesadas que sejam suas dores não seja a dor de outras como nós em nenhuma condição. Na ânsia de proteger os que estão chegando, talvez, nós, mulheres negras, traumatizadas hiperprotegemos e para isso usamos da insensibilidade e dos padrões comportamentais dos brancos a qual fomos exposta sem misericórdia.
Um ciclo se repete, só porque ainda não foi possível nos curarmos disso tudo. A minha orientadora me machucou profundamente acreditando que isso seria para o meu bem, tenho consciência que a intenção tenha sido boa, mas dói mais quanto corpos iguais a mim me ferem. Senti um misto de tristeza, compreensão e raiva, era preciso entender a boa ação subentendida naquela violência toda vinda de um corpo igual ao meu, mas como isso doía. Ela me mostrou que com ela o meu trajeto de
formação acadêmica, enquanto doutoranda, seria difícil, sem ela, seria pior ainda.
Pensei em me deixar submeter as sequelas simbólicas que o racismo acadêmico deixou no discurso e nos gestos dela, todavia, vi que isso seria assinar o meu próprio atestado de óbito enquanto eu fingia estar feliz para que ela não percebesse nenhuma insastifação e não me jogasse na jaula com os leãos brancos que a marcaram quase fatalmente.
Por isso, tomei a decisão de morrer, não agora, e calma! Não da forma como pensam ser. Eu vou morrer por dentro até que minha casca sucumba em algum momento sem deixar danos aos que me amam. Antes de morrer, eu preciso escrever, para ver se eu adio o meu fim. Ser anulada enquanto exerce um ato intelectual e reflexivo, é ser escravizada, é um tipo de inferno em que os brancos estão sorrindo enquanto eu choro ao acordar e ao dormir. Não é difícil lidar com traumas do racismo acadêmico, porém, é necessário entender que ou nós nos quilombamos, por meio do
diálogos e tolerância, ou nós nos tornamos peças fundamentais do epistemicídio, matando intelectuais negros(as) antes mesmo deles serem ouvidos e vistos pelo mundo.