Recentemente estreou nos cinemas a animação “Homem-Aranha no Aranhaverso”, lançada dia 10 de janeiro. Dirigido por Peter Ramsey e Bob Persichetti, o filme trata da história de Miles Morales, um jovem negro, morador da periferia dos EUA, grafiteiro e que gosta de música, se vê de repente na responsabilidade de ser o novo Homem Aranha após a trágica morte de Peter Parker pelas mãos do grande vilão o Rei do Crime.
Como mulher negra, estar lá com meus filhos me fez acessar memórias da infância, quando tantas vezes buscava referenciais nos desenhos animados e nos grandes heróis e heroínas da televisão e dos cinemas, e encontrava pouquíssimas, entre as mais marcantes até hoje é a Ororo, a Tempestade do X-men.
A família do personagem Miles Morales, também negra, o colocou em uma escola em tempo integral para que pudesse desenvolver melhor seu potencial, e de certa forma, como pode ser visto no “excesso” de zelo do seu pai, para evitar que ele tomasse caminhos tortuosos.
A animação traz um diferencial, pouco visto em animações de super heróis, uma poesia e sensibilidade ao abordar temáticas tão nossas e do nosso cotidiano.
Um dos momentos de maior dramaticidade é a morte do tio de Miles, o Aaron Davis, quando Miles descobre que o tio é o Gatuno, um dos capangas do rei do Crime, e logo em seguida, ao ser perseguido pelo tio que descobre que ele é o Homem Aranha e decide não fazer mal ao sobrinho, é assassinado pelo próprio Rei do Crime. Antes de morrer o tio fala do orgulho que sente do sobrinho por ter feito a melhor escolha.
Ao longo dos anos a escassa representatividade para as crianças e adolescentes negros nas produções midiáticas infanto-juvenis é uma realidade na vida de milhares de jovens em todo o mundo. Aqui no Brasil, os programas infantis sempre foram apresentados em sua maioria por mulheres brancas e loiras.
Se as princesas e heroínas eram em sua maioria brancas e loiras, os super heróis tão admirados por crianças e adultos também não eram diferentes. Algumas raras exceções de heróis negros, mas esses eram pouco publicizados, ou geralmente, encontrados em revistas em quadrinhos.
A importância dessas novas ou reatualizadas representatividades para a auto-estima da criança e adolescente negro é inestimável. A alegria dos meninos negros ao se enxergarem nos personagens como o protagonista do último filme Star Wars, o Finn, interpretado pelo ator John Boyega, que chegou a publicar no seu instagram a foto de um menino de 4 anos com o boneco, emociona todos e todas aquelas que vivenciaram uma infância sem se enxergar nos brinquedos, muitas vezes vivenciando um lúdico tão embranquecido com as barbies e os kens.
Essa mesma alegria pode ser presenciada no lançamento do filme Pantera Negra, em 2018, dirigido por Ryan Kyle Coogle e protagonizado por Chadwick Boseman, que interpretou o príncipe T’Challa, contou com um elenco que é uma verdadeira potência preta, fazendo brilhar os olhas e aquecer os corações de negros e negras em todo o mundo e de todas as idades.
Na verdade, quando temos acesso a produções assim, conseguimos alimentar o sonho da criança que fomos e que sempre esperou por esse momento, é a nossa Wakanda. Recentemente a Netflix tem propiciado esse lugar, afirmo isso como mera expectadora e consumidora dessas produções, aberta a observações inclusive.
Quem ainda não conhece tem que conhecer a série maravilhosa do Luke Cage, o herói do Harlem, publicado pela Marvel. Protagonizado pelo ator Mike Colter, o personagem que já tinha vida nos quadrinhos desde 1972, ganhou sua série no Netflix em 2016. Cage é um balsamo para aqueles que lutam e sonham com dias melhores, defensor daquilo que vivencia, nasceu e cresceu em um bairro periférico, lidando com contradições na juventude até que percebeu que precisava ajudar sua comunidade. Na série o herói traz um forte discurso de identidade racial e de luta para a sobrevivência, sempre incentivando os jovens da comunidade a não cederem ao mundo do crime e a buscarem caminhos de crescimento, além de combater as gangues.
Reconhecimento
O reconhecimento dessas produções é fundamental, até para incentivar outras produções que tragam a mesma discussão. O filme Pantera Negra, lançado em 2018, levou cinco prêmios e foi o grande vencedor do Saturn Awards em Los Angeles, no mesmo ano de sua estreia. Em 2019, o longa foi indicado ao PGA Awards, o Prêmio do Sindicato de Produtores da América, além de ter tido doze indicações no Critics’ Choice Awards. Outras grandes indicações que o filme teve foram o Oscar 2019 e o Globo de Ouro.
A indicação ao Oscar foi uma retomada, já que há mais de 91 anos um filme do super-heróis não recebia indicação como prêmio de melhor filme. A produção foi o maior sucesso de bilheteria da Marvel nos cinemas americanos, alcançando a arrecadação de 700 milhões.
Anissa Pierce – A Tormenta
Se a gama de novas produções de séries e filmes protagonizados por negros e negras já estava bom ficou ainda melhor com a série do Raio Negro (Cress Williams), personagem antigo da editora estadunidense DC Comics, homem negro com poderes elétricos. Jeff Pierce, o Raio Negro, cresceu no Beco Suicídio, comunidade pobre, localizada na cidade fictícia da DC chamada Metrópolis. O jovem negro cresceu e se destacou como atleta, saindo da sua comunidade de origem, formou uma família de mulheres maravilhosas, sua esposa, Lynn (Christine Adams) e suas filhas que também descobre ter poderes, a mais velha Anissa Pierce (Nafessa Williams) e Jennifer (China Anne McClain), tempos depois se divorciou, voltando o relacionamento algum tempo depois.
“Prontos para a primeira super heroína lésbica negra?”, foi com essa frase em seu instagram, que a atriz Nafessa Williams, apresentou a personagem Anissa Pierce, filha mais velha do Raio Negro. A série quebra paradigmas e dá uma verdadeira aula de respeito à diversidade ao trazer a primeira super-heroína lésbica e negra da TV, Anissa Pierce, assumida e muito querida pela família, combate os criminosos e enfrentam os preconceitos e violência policial que a população majoritariamente negra da comunidade sofre. A princípio seu pai resiste em apoiá-la no uso dos seus poderes, mas com o tempo ela conquista a confiança dele, inclusive ele começa a treiná-la para que juntos possam ajudar a comunidade a se libertar da violência e do tráfico.
Mulher, negra, estudante de medicina e super heroína, uma representatividade positiva da mulher negra e que foge dos estereótipos de hipersexualização, ainda encontrados em personagens negras. Para meninas e adolescentes, ela representa a força, a inteligência e a beleza que nós temos. A obra apresenta para o púbico com muita naturalidade a dinâmica da vida do personagem e suas relações afetivas com outras mulheres.
A politização dessas produções mostram histórias que apesar de pertencerem ao universo da ficção, trazem a realidade vivenciada hoje pela população negra. Tais produções cumprem um papel pedagógico que podem ter um potencial revolucionário, ao dizer para todo menino e menina preta que eles podem ser heróis e heroínas das suas próprias histórias e do seu povo.