Nós Blogueiras Negras acompanhamos a I Conferência Nacional Livre de Comunicação em Saúde desde sua primeira construção em São Paulo, sempre pontuando a necessidade de falarmos com todas as letras e sem medo que o racismo é estrutural e estruturante, com profundas implicações na vida de mais da metade da população.
Ainda em São Paulo, quando da conferência estadual, essa mesma fala foi posta em alto e bom som, denunciando que sem a presença de mulheres negras, estaríamos enxugando gelo. É portanto com muita surpresa que nos deparamos com o triste fato de que somos as únicas mulheres negras, na figura da companheira Charô Nunes, numa mesa.
Como seria possível ocupar esse espaço sem falar mais uma vez que a presença de mulheres negras precisa ser estratégica mas não restrita pela falácia da representatividade? Precisamos e queremos mais. Não existe direito se apenas a branquitude está sistemicamente presente. Não é esse o modelo que a defesa ao direito à saúde e à comunicação deve adotar.
Acreditamos na necessidade imperativa de reconhecer que o SUS não é território isento de racismo e outras violências e trazer as mulheres negras para o centro do debate como aquelas que são as mais fragilizadas no que tange à saúde e portanto como aquelas que são atrizes centrais na discussão, tanto do que precisa ser superado quando no apontamento do que é referência. No debate enfim.
Nós, aquelas cuja saúde é ferida literalmente de morte, sabemos. Dói na carne quando gritamos de dor durante o trabalho diante do médico que se recusa a tocar nosso corpo. Tem nojo. Mas somos aquelas também as que construíram a Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver por entender que direito de conquista.
Quando o oncologista olha nossos exames e se recusa a nos informar que estamos sim doentes. Quando sangramos até a última gota quando da prática de aborto inseguro. Quando nossas mais velhas sofrem sem ao menos conseguir chegar até o hospital, não tem mobilidade, não tem direito à uma velhice digna. Nós que deixamos de buscar atenção na saúde porque seremos vítimas de lesbofobia. Nós que sequer somos consideradas como interlocutores quando da discussão daquilo que é a nossa vida.
A presença de mulheres negras precisa ser pensada não apenas como aquelas que usam o SUS, mas também como aquelas que tem direito à comunicação. Não existe comunicação sem diversidade, sem mulheres negras e outras mulheridades, e aqui falamos especialmente das companheiras transfeministas.
Somente em diversidade poderemos repensar um modelo alternativo aquele que exerce o monopólio absoluto na comunicação e que aos poucos vai se tornando também o paradigma na saúde. Esse modelo supremacista, inclusive no que tange materiais publicitários e escolha de quem tem voz, não pode ser o da 2ª Conferência Nacional de Saúde das Mulheres que se aproxima com o tema “Saúde das Mulheres: Desafios para a Integralidade com Equidade”.
Nosso desejo é que os espaços de discussão da saúde como direito entendam que garantir que questões centrais como racismo, machismo, transfobia, lesbofobia, bifobia, não sejam metas citações mas violências que precisam ser encaradas com coragem e vontade política, sempre em parceria com aquelas que fazem esses enfrentamentos nos seus espaços de vida, política e pensamento, tensionando a discussão de maneira democrática.
Imagem de destaque – Exame