O amor, tal qual a militância, é um exercício diário. E amar a nós mesmas talvez seja a modalidade mais difícil desse exercício. Tenho certeza de que aquele momento de crise em que a gente se sente um lixo e pensa que mudar tudo; da cor do esmalte à forma de se vestir, seja a solução; quando, na verdade, o que precisa mudar é a nossa percepção sobre nós mesmxs; aconteça com todxs. Homens, mulheres, negrxs, brancxs, jovens, ou velhxs.
No entanto, esse estigma da deturpação da auto imagem incide diferentemente sobre as nuances de nossas peles negras.
Como sempre repito em meus textos; “o racismo trabalha com a desumanização dxs negrxs” e esse é um espectro que sempre que nos olhamos no espelho se faz presente.
A adolescência é a época mais cruel à nós, meninas negras. Não ser padrão de beleza é complicado sempre, mas numa época em que a estamos mudando fisicamente, tendo as nossas primeira experiências “amorosas” e descobrindo a nossa sexualidade, não nos encaixar nesses tais padrões cobra um preço muito alto. Por mais que estejamos inseridas na panelinhas típicas de adolescentes, estamos sempre à margem. Somos sempre a amiga super legal da menina mais gata da turma.
Não que isso só aconteça com meninas negras, mas de fato, conosco é regra; principalmente quando estamos inseridos num espaço de maioria branca, como as escolas particulares.
Mas a boa notícia é que isso passa e se transmuta à medida que nos inserimos em outros espaços. Não ser a reprodução da beleza padrão se torna uma bandeira à mais à militância.
Um cabelo black não é mais só um cabelo afro. Um cabelo black é um símbolo de resistência; uma bandeira em riste pelo empoderamento de outras mulheres negras. Um nariz que não é considerado belo, um corpo que não se encaixa no tamanho exposto nas prateleiras passam a encontrar lugar num mundo que parece não estar pronto pra nos encarar de frente. E nessa onda de amor próprio nos jogamos.
Chegar à universidade é libertador. Parece que naquele universo paralelo há um lugar de destaque para que nós possamos exercer esse amor por quem nós somos, de maneira, livre, plena e independente.
Assim, construímos um forte, um muro de auto estima sob o qual lutamos contra o racismo nas mais variadas esferas.
Nos tornamos, então, a “neguinha metida”; aquela que não sabe o “seu lugar”, que passa por cima de conceitos e locais de fala pré-estabelecidos aos quais insistem em nos submeter.
E isso é positivo!
Significa que estamos incomodando e o incômodo é o primeiro passo rumo a uma mudança.
Todavia, somos seres humanos comuns e estamos sujeitas a autos e baixos. Há dias em que; mesmo sabendo de nosso poder, enquanto sujeitas revolucionárias que buscamos ser a cada dia, no combate à invisibilização de nossas caras pretas, simplesmente a vida nos dá uma rasteira.
E quando isso acontece e nós caímos; o momento imediatamente anterior a nos levantarmos é o que me preocupa tanto.
Sempre que a nossa auto confiança dá uma vacilada, parece que esse muro de empoderamento se rompe e voltamos a nos tornar reféns das marcas do racismo. Por mais que tentemos tapar esse buracos, quando nos sentimos invisíveis ou subjugadas, recorremos ao espelho dos padrões e tudo que vemos é uma figura que não se encaixa. E essa imagem é capaz de corromper a mais forte das mulheres negras. Parece que estamos de volta à margem, sendo comparadas à branquitude que não nos traduz e à qual jamais pertenceremos.
É um sentimento desesperador.
É como retroceder e sucumbir ao apelos de uma sociedade racista que não nos quer.
No fim do dia, lutar contra a PM racista, debater madrugada à dentro com racistas no facebook e ler os comentários das matérias sobre violência racial na Veja; parece bem mais fácil do que lidar com os fantasmas que a violência racial – simbólica e/ou concreta – nos faz carregar.