Como somos todos uns perdidos no universo mesmo e ninguém vai tentar salvar o mundo, nem fazer passeata, por favor, assinem pelo menos a petição do #bringbackourgirls. Super do bem, não dói e não precisa sair da frente do feice nem do gmail.
E agora eu quero me arriscar aqui a fazer uma ligação entre cinema, literatura e o sequestro dessas meninas. Eu queria falar mesmo de: a que ponto chegamos, como humanidade?
Coincidentemente, hoje eu vi o trailer do “Meio Sol Amarelo”, adaptado do livro da Chimamanda (minha nova escritora preferida). Eu e outras pretas maravilhosas falamos da autora e do livro algumas vezes. Link do meu post, e vocês podem rastrear os demais por lá também.
O ponto, minha gente, é que a guerra é o cenário do livro. A história é sobre humanidade, sobre política internacional, sobre ser negro, sobre raízes, sobre beleza, sobre o triunfo, menos sobre a guerra. Eu aqui acredito em um interesse político de países europeus em uma guerra na Nigéria, que aconteceu sob um pretexto religioso e deve ter sido financiada por países ricos, de olho no petróleo do norte.
Mas enfim, a historia é boa. Daí veio Hollywood, a fábrica dos sonhos, e transformou o livro em filme. A atriz principal, que interpreta a Olanna, é a Thandie Newton. No livro, a descrição física das personagens é parte fundamental das perspectivas que a autora sugere para o leitor. A Olanna do livro tem um corpo curvilíneo, seios grandes, e vem de uma família com a pele “cor de chocolate belga”. Igualzinha a Thandi… Oh, wait.
Então, né, o povo pega uma negra de pele mais clara e traços europeus para interpretar uma personagem fisicamente diferente dela na obra original, com o detalhe de que esses traços físicos são fundamentais para o entendimento da obra. Lembrando que saíram matérias falando sobre a dificuldade da atual mulher mais linda do planeta, Lupita, de arrumar outros papéis de destaque por ser muito escura. E, por fim, tem um monte de explosão no trailer (da guerra) e parece uma história de amor (ai).
“Ah, mas é uma versão do livro, tem liberdade de criação, eles querem falar da guerra, nada a ver com racismo, nada a ver com status quo, somos todos humanos”. Nem vou voltar nisso, mas sabe de nada inocente. O filme nem saiu, estamos aqui de olho nessa zoeira, mas só de ver o físico das personagens me deu um friozinho na espinha.
Pois bem, voltamos às garotas sequestradas. O grupo Boko Haram, responsável pelo sequestro das meninas, é islâmico fundamentalista do norte da Nigéria e justifica sua violência assim, com religião, igualzinho no livro que fala de uma guerra dos anos 70. Vêm os mesmos governos que ajudaram a detonar a Nigéria, financiaram guerras, escravidão, fundamentalismo e tudo isso, dizer que o cara é um monstro, um escroto e merece a morte. A coerência, sempre mandando lembranças.
E também disseram que a Al-Qaeda anda ajudando o Boko Haram. A mesma Al-Qaeda que foi financiada por uma grande nação super desenvolvida, inclusive tem táticas de guerrilha ensinadas pelo exército desta grande nação. Quer dizer, sucesso, parabéns aos envolvidos.
Depois, a imprensa, a ponta da cadeia. Chega junto para reproduzir esse discurso aparente da barbárie e de repúdio à violência, etc e tal. Super bonito. Para quem quer chorar, tem em todos os sites internacionais.
Agora, vamos falar de nós. Nós, os brasileiros, que ficamos xingando a Nigéria e dizendo que eles não são civilizados. Nós que apontamos o dedo na cara deles, porque eles são pobres, pretos e bárbaros. O mesmo “nós” que anda assistindo passivamente a linchamentos periódicos, ora por roubo, ora por suposta prática de magia negra.
Nós, seres humanos, que não entendemos nada de processo histórico, estamos acima do bem e do mal e vamos logo mais assistir ao filme “Meio Sol Amarelo”, para chorar os horrores da guerra da Nigéria e exclamar: “um absurdo”.
Caso o filme esteja diferente mesmo do livro, se alguém ousar questionar Hollywood, vamos dizer que é exagero e os roteiristas só executaram sua liberdade de interpretação da obra. O que eles teriam a ver com a manutenção desse discurso de “os civilizados x os bárbaros”, não é mesmo? Enfim, nós, que não conseguimos nem enxergar a nossa conexão com essas crianças Nigerianas.
Eu realmente espero estar errada nessa. Quero muito ver alguma responsabilidade da maior indústria de cinema do mundo em tempos tão caóticos e instáveis.
Cara, eu nem sei mais o que dizer. Mas eu acho assim, se você ainda tem apreço pela vida humana, gaste uma horinha e pelo menos assine as petições.
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