Em tempos em que até agências de publicidade fazem campanhas (pretensamente) antirracismo, o blog Petiscos deu um tiro muito fora do alvo (ou super dentro). Acho bom dar uma contextualizada. Anualmente, o Museu Metropolitano de Arte (fica em Nova Iorque) faz um baile para arrecadar fundos para sua manutenção. Usualmente o mote do evento é alguma exposição de moda e figurino. Este ano foi inaugurado um centro de figurinos da Anna Wintour (editora da revista Vogue estadunidense e uma das anfitriãs do baile).
Ou seja, o evento é um baile temático onde figurinos e personagens são inspirados a aparecer nos trajes. Quase que um baile à fantasia fashionista. Entendendo isso, fazer piada de algumas das escolhas é realmente ignorância como disse muito bem a Isa Mantovani em seu post. Quando um blog como o Petiscos faz isso e que diz que fala do que conhece, é mesmo questionável. Achei também estranho ele ter sido escrito pela redatora que, em outras pautas, fica responsável pelos posts de cultura/arte. Mas cada um que cuide de sua redação, não é mesmo?
Os pontos que levando aqui são dois: chamar alguns dos vestidos de “galinhas de despacho” e ainda, dizer que na caracterização faltou o agdá com farofa e uma garrafa de cachaça.

Apesar de criada por tia e avó candomblecistas, infelizmente conheço muito pouco da religião para dar uma resposta ao comentário racista (pq dizer desrespeitoso e infeliz é minimizar o efeito deste) mas recomendo à Mariana Inbar (a repórter do texto-galhofa no Petiscos) e toda a equipe, os textos aqui no blogueiras negras sobre o assunto. Quem sabe ajuda, né? Mas sei não. Em tempos onde Rafinhas Bastos são reis, tudo pelo “riso”. Dos outros igualmente racistas, é óbvio. Mas ó, se é feio fazer “zoeira” com a missa do padre ou com o sermão do pastor, deixem nossos agdás em paz. A Petiscos deve ter até se achado muito respeitosa ao googlar o nome correto do vasilhame. Pena que se esqueceu de pensar no teor do texto também.
O ponto dois é o vestido da Lupita. Ok, na fan page do site, apesar de parecer uma clara ligação das tais galinhas de despacho, a associação que a espirituosa autora (?) faz é com uma dança tribal africana. Vou aqui passar nova e solenemente pela referência de moda do traje que a própria Lupita deu e o Petiscos publicou, talvez como uma tentativa torpe de arremedo de pedido de desculpas pela sua falta de noção de história da moda, certamente. Mas vamos lá, vamos lembrar quem é Lupita: uma mulher negra, mexicana, de pais quenianos. Segundo a mocinha, o traje da linda negra (e uma das poucas negras no star system) a rememorava uma cena de dança tribal no casamento que finaliza o filme “Um Príncipe em Nova Iorque”.
Se é que alguém não se recorda dele, é um onde Eddie Murphy vive um príncipe africano que vai à big apple para encontrar uma esposa e, para isso, se finge de pobre/plebeu. O filme em si é uma puta referência por ter mostrado que o continente africano de outra maneira. Imagino o tanto de gente que não imaginava que não havia riqueza, príncipes e princesas, carros, casas, encanamento. Enfim, quem acreditava até então que só havia uma África (são dezenas de países de culturas distintas, mas sempre vendem como uma coisa só…) sofrida, pobre, cheia de miséria e fome. O empoderamento que este mesmo filme não deu a vários meninos e meninas, que puderam se orgulhar de vir de uma origem diferente da que lhes impunham. Que negros também podem ter sua rede de lanchonetes, podem e devem ser os patrões, não só os empregados.
Então, além de, para usar o termo do texto da Inbar, zoar com um filme que é icônico para a identidade negra e para a cultura dos anos 80, ainda associam a dança tribal a alguma espécie de xingamento. Pois, segundo está lá escrito, “A essa altura do campeonato, vocês já devem estar se perguntando: mas cadê Lupita Nyong’o para nos salvar dessa catástrofe? O negócio tá mal, eu tô falando: até Lupita estava um pavor nesse tapete vermelho, de Prada… (…) Que inicialmente me lembrou isso:” com link para o trecho do filme. Como falei antes a Lupita é negra, de ascendência queniana. Aquela dança do filme pode até não se referir a algum ritual da tribo de origem de sua família ou de seu país mas é legado que diz respeito à todas nós, muheres negras. Então, qual mesmo o problema de uma mulher negra ter algo de tribal em seu figurino?
Jurava que o tal do tribal e as “estampas” africanas estavam “em alta” na moda. Mas ah, já sei. Pode sim mas apenas se estilizadas e padronizadas por pseudo hippies, pseudo pró-diversidade brancos em seus modelitos pasteurizados. De resto, ser tribal é feio, é coisa de “macaco”. Mas, pera. Não “éramos” todos macacos na semana passada? A moda é mesmo cíclica. E “efêmera”, nesses dias de hoje.
3 comments
Como jornalismo e ex-professora do curso de Jornalismo, condeno a produção de tal texto opinativo. Ele fere um dos princípios básicos, quando se pretende escrever textos desta matriz. Princípio que diz respeito à falta de pesquisa na fundamentação do ponto de vista.
Em segundo lugar, é um texto depreciativo no quesito relacionado à religiosidade afro-brasileira. Sou adepta do candomblé e tal texto afronta o princípio do respeito à religião.
O Petiscos é um dos sites mais racistas e misóginos que já tive o desprazer de acompanhar. Mas como a maior parte da sociedade brasileira, não se vê como tal. Afinal essa coisa de racismo é só “frescura e mau humor” de gente “chata”.
Deprimente reproduzirem preconceitos e ainda fomentar competição e a ridicularização das mulheres sempre usando a justificativa do bom humor.
Me entristece um site que influencia tanto ter tanto desprezo e a todo momento “achar feio o que não é espelho”, ou seja, tudo que não reflita o bando de pessoas mimadas, alienadas e preconceituosas que escrevem lá.
Obrigada pelo texto
Lendo um outro blog também de moda, já havia me incomodado, mas essa da Petiscos conseguiu piorar a coisa e muuito. No outro blog a menina falava que a Lupita havia decepcionado dessa vez , quando na verdade o que eu vi foi uma roupa temática, fazendo alusão a suas origens (não sei exatamente se sim, foi apenas minha impressão), quando bati os olhos achei bonito, uma coisa princesa africana, porque isso não pode ser bonito??????? Vou sistematicamente riscando da minha lista pessoas e blog´s com opiniões desse tipo.