Stuart Hall (1932-2014) foi, provavelmente, um dos mais conhecidos teóricos negros contemporâneos. Nascido na Jamaica e radicado em Londres, sua obra é fundamental para entender os Estudos Culturais. O “intelectual ativista” (como ele mesmo chegou a se definir) foi presidente do Centro de Birmingham para Estudos Culturais, unidade da Universidade de Birmingham, e contribuiu em grande medida para ampliar o debate político sobre preconceito racial e influência da mídia nas relações de poder.
Em “A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo”, o quinto capítulo do livro Media and Cultural Regulation, organizado por Kenneth Thompson, Hall teoriza que a globalização tornou a cultura “um dos elementos mais dinâmicos – e mais imprevisíveis – da mudança histórica do novo milênio”. De acordo com esta visão, a mídia tem um papel fundamental na circulação das ideias e disseminação de mensagens.
Esta comunicação sem fronteiras cria um dinamismo nas relações nunca antes visto e adquire uma relação central com as novas formas de lutas pelo poder no espaço público, cada vez mais discursivas do que propriamente bélicas. É possível ver este argumento, por exemplo, na eleição de Lupita Nyong’o como a mulher mais bonita do mundo pela Revista People.
Mesmo que os rankings de beleza sirvam em grande medida para reforçar o corpo da mulher como mercadoria, eles estão aí, reproduzindo um ideal de beleza, um padrão imposto a todas as mulheres, sejam elas adultas, crianças ou adolescentes. E claro, quem mais sofre são as negras, que nunca se veem retratadas nas mensagens de massa.
Mas o que é beleza? Será ela elaborada, como dizem alguns cientistas, por características que o ser humano considera biologicamente mais eficazes para uma prole mais saudável? Será a beleza a simetria dos traços? Depende. Pode não parecer, mas há uma neutralidade aparente na ciência, pois ela também é “deste mundo”, está atrelada a uma estrutura ideológica e segue as mesmas regras que o resto dos mortais: reproduz machismo, racismo, homofobia e tudo aquilo estabelecido como verdade.
Se desconstruirmos as nossas ideias sobre beleza, veremos o quão subjetiva ela é. A mulher mais bonita do mundo não existe, ela é apenas fruto de um imaginário coletivo. E após movimentos de luta globais, temos uma autentica representante das negras, de todas nós, especialmente as de pele com fundo azul, as menos representadas nos meios de comunicação de massa. De fato, Lupita significa, no espaço do debate público sobre a beleza, o resultado da pressão de movimentos negros ao redor do mundo, em níveis políticos e sociais, para serem mais retratados imageticamente.
E daí, o que acontece? Mais uma vez, temos uma disputa discursiva, especialmente nos meios digitais, pela beleza feminina. São inúmeros comentários de matérias, posts, twitts e até vídeos falando sobre como Lupita “não é a mulher mais bonita do mundo”. Obviamente, seguindo a lógica brasileira do racismo velado, ninguém assume o próprio preconceito. Até de “morena” a mulher foi chamada nas redes sociais, porque preto aqui é xingamento.
A intenção aqui não é, de forma alguma, concluir um debate de séculos. Apenas utilizar um negro e uma negra que conseguiram rachar determinados pensamentos hegemônicos, cada um a seu tempo, para reforçar que estamos aqui, sempre estivemos e sempre estaremos. Há luta e resistência, em um ambiente de intensa troca de informações. Não vamos parar. E a quem não gostou, só resta enviar um lamento. Virtual.
Bibliografia:
HALL, S. The centrality of culture: notes on the cultural revolutions of our time. In.: THOMPSON, Kenneth (ed.). Media and cultural regulation. London, Thousand Oaks, New Delhi: The Open University; SAGE Publications, 1997. ( Cap. 5)