Esses dias eu vi um monólogo sensacional da Ernestine Johnson, chamado “The Average Black Girl”. Ernestine conta de quando ela conheceu a família branca do seu ex-namorado e como sua ex-sogra se surpreendeu com sua eloquência, dizendo que ela não era uma “típica menina negra”, pois “falava como branca”. Esse tipo de elogio atravessado e racista é uma coisa que muitas de nós, negras universitárias, estamos acostumadas a ouvir. Elogios de gente que gosta de repetir como tá surpresa com a nossa eloquência, com a nossa nota no vestibular e com o nosso diploma. Afinal de contas, mulher negra não nasceu pra tudo isso, né?
Em uma entrevista, a Mindy Kaling fala sobre esses supostos elogios recebemos.
Mindy: “Sempre me perguntam: ‘De onde você tira a sua confiança?’ Sei que as pessoas estão bem-intencionadas, mas isso é bem ofensivo. Porque o que isso significa para mim é: ‘Você, Mindy Kaling, tem todas as características de uma pessoa muito marginalizada. Você não é magra, você não é branca, você é uma mulher. Por que diabos você se sente como você valesse alguma coisa?“
Bom, eu fui criada por grandes mulheres, todas negras (e muito mais incríveis do que eu jamais serei). Cresci vendo mulheres negras formadas, lideranças mandonas que entendiam muito das suas respectivas carreiras e que me davam livros em todo aniversário. Então, as minhas referências do que significava ser uma mulher negra sempre envolveram muito empoderamento. Essas referências me permitiram construir uma personalidade com autoestima o suficiente para nunca duvidar de que eu merecia cada uma das minhas ambições.
Com essas mulheres aprendi que a minha vivência não era a norma, já que para a grande maioria das jovens negras a universidade raramente é apresentada como um horizonte a ser alcançado. Passei a entender que existe uma estrutura dedicada a menosprezar o intelecto da mulher negra e a restringir nossas escolhas. Sempre soube que, por ser mulher e negra, teria que provar constantemente que merecia ocupar o espaço que ocupo hoje.
É bem comum que uma menina negra sofra ataques ao seu intelecto durante sua trajetória educacional. Nos EUA, por exemplo, meninas negras são suspensas da escola seis vezes mais do que meninas brancas. Apesar dos contextos serem diferentes nos dois países, muitas meninas negras brasileiras se identificam com esse cenário e acabam lidando com o mesmo tipo de problema. Conheço meninas negras que são alvos de ações disciplinares na escola com mais frequência que colegas brancas. Muitas meninas negras são excessivamente sexualizadas por colegas e professores desde muito cedo. E poucas são as meninas negras que são consideradas inteligentes por professores, já que muitos carregam expectativas diferentes para meninas negras e meninas brancas.
É um incômodo diário e constante esse negócio de ser sempre lembrada que a universidade não foi feita pra você. A primeira coisa que me incomoda na universidade brasileira, por exemplo, é a falta de mais estudantes como eu. Nos últimos anos, apesar do aumento nas taxas gerais de escolarização, a quantidade de mulheres e homens negros no ensino superior ainda é muito menor que a quantidade de estudantes brancos (Dossiê Mulher Negra, IPEA, 2013).
Como se a ausência gritante de mais estudantes negras por si só já não fosse terrível, as poucas mulheres negras presentes nas universidades têm que aguentar muita ignorância e muito racismo. Elogios escrotos, piadas, olhares, ofensas, xingamentos, agressões. A página Preta e Acadêmica tem feito o trabalho super necessário de mostrar alguns dos absurdos que ouvimos e vivenciamos dentro do ambiente acadêmico. Iniciativas como essa são ferramentas que nos ajudam a perceber que nossas experiências individuais com o racismo e a misoginia dentro da universidade brasileira não são pontuais, mas sim práticas recorrentes e bem difundidas.
E nessa época do ano, com o período de admissão nas universidades, lembramos mais uma vez de como a exclusão da mulher negra no ambiente acadêmico é sistemática e persistente. Mas superadas essas agressões feitas para silenciar nossa voz, percebemos também que nossa decisão de ocupar a universidade se torna cada vez mais um ato político. Chegar (e permanecer) na universidade sendo uma mulher negra não é uma trajetória fácil, nem indolor; mas é uma trajetória possível e é cada vez mais nossa.
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