E quando se faz o convite é deselegante por qualquer motivo desconvidá-los. No Rio de Janeiro, a organização do evento Semana negra das letras da Unirio desconvidou uma professora com 31 anos de experiência em estudos sobre literatura afro-brasileira. O desconvite gerou a manifestação feroz da whitelândia acadêmica, que denominou a ação como fruto de fascismo, autoritarismo, preconceito inverso, racismo reverso, fundamentalismo, essencialismos, segregação, dentre outras coisas mais, por pensarem que tal desconvite foi feito por uma organização composta por pessoas negras. Entretanto a grande surpresa apresentada pela nota de esclarecimento, literalmente, foi de que a comissão organizadora era composta de pessoas brancas. Então, após a nota foi possível ver se manifestar a compreensão e o discurso que antes era violento, se tornou amistoso por que se tratava de jovens estudantes brancos cometendo um deslize, este justificado pela pouca experiência, o discurso mudou, porque não se tratava de pessoas negras.
Antes de sair a nota de esclarecimento, a professora que recebeu a solidariedade dos companheiros e companheiras da área do curso de letras agradeceu as manifestações de solidariedade e apoio. O que foi denominado de solidariedade para muitas pessoas negras foi visto como um pacto narcísico da branquitude, lembrando Maria Aparecida Bento, pois os discursos ditos solidários expressaram o etnocentrismo bárbaro que ainda é vigente nas relações sociais no Brasil, principalmente as acadêmicas. Houve aqueles e aquelas que defenderam o fato da professora ser uma pessoa negra pelo fato da mesma ter 31 anos de experiência nos estudos de escritores negros e ser a principal estudiosa das obras da escritora Conceição Evaristo, também houve aqueles que se pautaram da noção de afrodescendência para atestar que a professora, sim, é uma pessoa negra. Se a professora é negra ou não, não cabe a mim dizer, entretanto nenhuma pessoa negra com tantas anos de experiência em análise de obras de escritores desconsideraria a colonialidade abraçada a solidariedade nas manifestações em seu favor.
Acredito que é necessário refletimos sobre esta situação, que não é novidade e nem um grande mal entendido, mas sim uma das facetas “sutis” do racismo à brasileira.
Uma das pessoas, que se solidarizaram, manifestou que era um absurdo, expressou: “A partir de agora só poderá estudar filosofia grega quem for grego? Ou falar das questões LGBT se for LGBT? É um absurdo” Este hiperbólico e brilhante comentário só demonstra a dificuldade da whitelândia de compreender o que é representatividade e o que é lugar de fala. O ideal seria que todos os espaços e eventos acadêmicos fossem de fato representativos da diversidade, não só racial, porém enquanto isto não ocorre, eventos que não coloquem a branquitude como foco epistêmico e de fala receberão fervorosas críticas e mesmo aquela pessoa bem intencionada, que entende a relevância, embora não concorde com espaços cuja a participação envolva majoritariamente a intelectualidade negra, o muro branco do privilégio sempre irá tampar as vistas para a compreensão de que a “exclusão” do que já tem voz e privilégio em alguns eventos, pois ainda são poucos, consiste numa tentativa de descolonização do espaço acadêmico. E quanto se reagem de forma oportunista a esta tentativa, só é demonstrado que mesmo estudando literatura negro-brasileira ou tendo amigos negros nenhuma pessoa branca sabe realizar de fato a empatia por nossas experiências.
Espero que este texto não seja lido como um ato de violência, pois até o direito de indignarmos com certas mazelas da branquitude dizem que não temos, enquanto isto os sinharimos e sinhosismos sempre se manifestarão nos corredores universitários. Wakanda não é Pasárgada, espero que compreendam bem isto e respeitem a trajetória de luta do movimento negro.