Pongando na treta dúbia do título “What happened Miss Simone?“, fica a pergunta: O que aconteceu com a Lil Kim? Acho que todos os que viram as imagens ficaram, no mínimo, chocados. E, como a relação que temos, especialmente com mulheres e mais ainda com figuras públicas, é a de cobrança, a opinião pública caiu em cima. Li muitos comentários machistas e ofensivos, todos questionando a sua “síndrome de Michael Jackson”, eu fui uma das que pensou nisso.
Como pode, pensei eu, uma mulher bonita daquele jeito se modificar tanto? Será que não tem ninguém vendo? Ninguém perto dela que possa ajudar, intervir, dar um toque? Fácil falar, né? A verdade é que, sim, ele, o racismo, afeta tanto a nossa vida, que nos deixa doentes. Sobre o assunto, escrevi um texto em 2013 com dados que apontam exatamente isso, “Racismo é caso de saúde pública!”. Ser/ficar doente é um direito nosso há muito negado. Mas, primeiro, vamos dar uma olhada na foto dela?
Esta imagem ela mesma postou no Instagram. É a soma de todas as intervenções cirúrgicas que Lil Kim fez nos últimos 10 ou 15 anos. Várias artistas são acusadas de clarear a pele e afinar o nariz (a Beyoncé o fez tão sutilmente que, se você não comparar uma foto do começo da carreira com uma atual, nem nota), e a real é: você aí, menina/mulher negra que me lê, quantas vezes não se pegou pensando que seria melhor ter nascido com um nariz “melhor” ou a pele mais clara? Ou ainda ambos? Colorismo é real, pessoas. A branquitude deu às negras de pele mais clara e nariz mais europeu o título de “passável”. Ou, como se dizia quando eu era criança, “Você não é negra, coisinha, é morena clara! ”. “Ah, ela queria se transformar em branca, pô! Tem vergonha de ser negra! ”. Mas não é o que aprendemos e ouvimos a vida inteira? Que traços negros são “ruins”? Existem vários textos aqui no BN sobre o assunto, recomendo o recente “Mulheres negras, uni-vos!”, e “Colorismo: o que é, como funciona”. Vocês podem ler mais sobre o assunto, basta digitar “colorismo” na busca aqui do blog.
Quando questionada sobre as cirurgias, a rapper falou o seguinte:
“MINHA AUTOESTIMA SEMPRE FOI RUIM. FUI TRAÍDA E TROCADA PELOS HOMENS QUE PASSARAM POR MINHA VIDA SEMPRE POR MULHERES MAIS CLARAS, DE CABELOS LONGOS E LISOS. COMO É QUE EU IA COMPETIR COM ELAS? SEMPRE ENTENDI QUE NÃO ERA BONITA O SUFICIENTE”.
A diferença entre a artista na tv ou na revista e nós, pobres mortais, é a grana. Elas podem dar vasão ao desejo desesperado de se enquadrar, de fugir da solidão que aflige a todas nós. Me lembro de ter passado boa parte da minha adolescência odiando o meu nariz. Sonhava com uma plástica que o faria menor. Tinha mais dificuldades com meus cabelos que com a cor da pele, mas também já tive o momento de querer uma compleição mais clara, olhos cor de mel…
E não, isso não é besteira. Não é frescura, falta do que fazer. Ser preteridas, estarmos sempre tentando nos enquadrar, pedindo desculpas por sermos como somos, nos deixa doentes. Doentes numa ansiedade e aflição sem fim por sabermos não sermos bem-quistas e, pior, sem podermos gritar por ajuda, pois a mulher negra tem de ser forte, não tem direito a sofrer e chorar por uma “bobagem” dessas. Essa “bobagem” pode nos levar à depressão, à quadros de esquizofrenia ou transtornos de ansiedade (como a síndrome do pânico) ou de personalidade – para estas doenças, drogas ou outros psicotrópicos podem ser o gatilho que faltava, outras estão associadas à depressão sem tratamento. É por este descaso com a nossa própria saúde mental que somos relegadas à loucura, à solidão, às drogas (quantas usuárias de crack, a droga do esquecimento, são negras, não é mesmo?), às ruas.
Há muito ainda o que discutirmos sobre este assunto. Não podemos apontar para o outro, especialmente neste caso. A empatia me faz, nos meus parcos 32 anos, entender exatamente como a Lil Kim se sentiu. Óbvio que o tanto de cirurgia tem a ver com vaidade, mas também tem a ver com ter se sentido a vida inteira inadequada, feia. Isso dói, a solidão dói. E essa dor transforma as pessoas. Sobre a solidão da mulher negra, temos o “Síndrome de Cirilo” e sobre a nossa saúde também tem o “Doenças mentais e a mulher negra” e tem muito mais coisa boa aqui no Blogueiras Negras. Vamos ler, vamos refletir e, mais, vamos ter empatias conosco. Somos nós que estamos adoecendo.