Olá Blogueiras Negras!
Então, somos do Centro Acadêmico de Medicina da UNIR e durante muito tempo nós usamos uma frase que passa na cabeça de muitos estudantes: “É, eles estão errados, mas infelizmente a nossa universidade não faz nada, não tem o que se fazer.”
É aquela velha e boa inércia de “se não é comigo, não vou me meter”. Sabemos que há muitas pessoas que não são a favor das cotas, e isso não fere a lei. Mas o que devemos perguntar mesmo é, você é a favor de fraude?
Muitos colegas estudaram por anos para passar em diferentes universidades, alguns tinham pais advogados e outros grandes comerciantes. E agora, estamos todos no mesmo barco. Nós lutando por uma vaga numa universidade, mas há uma tênue diferença: As cotas.
È isso, para quem não entende, posso explicar, o sistema de cotas tem a premissa de iguais concorrendo com iguais, agora sim todos no mesmo barco. Não há iate especial.
E sabe por que? Pois você concorre com um aluno de escola pública igual a você, concorre com um negro igual a você, concorre com um branco igual você, concorre até com um aluno de escola particular igual a você, porque agora há representatividade. Há vagas para todas etnias e rendas. Ou pelo menos era isso que muitos de nós pensávamos.
Outra verdade que precisa ser compreendida é que as notas das cotas são mais baixas, mas nem por isso eles estão furando a fila, são mais baixas porque o ensino público é deficiente, a estrutura da sociedade é desigual e esses alunos, oriundos de periferia, que trabalham meio período, que cuidam dos irmãos, que já ouviram que como preto ele não é inteligente, que jamais tiveram um ar condicionado em casa e uma mesinha de estudo estão superando obstáculos.
Imagine só, eles lutaram sozinhos, por anos, em uma luta desigual com filhos de médicos, advogados, engenheiros, grandes comerciantes, e no caso do curso de Medicina que por anos predominou-se brancos e de renda alta, hoje, eles tem uma nova chance, uma nova perspectiva: Concorrer com iguais.
É uma ideia fantástica não é mesmo? É como se uma vida toda você tivesse em uma luta livre, os mais pobres, pretos, indígenas, fossem peso pena concorrendo com lutadores peso pesado. Não parece justo não é mesmo? Se até mesmo no UFC os lutadores concorrem em classificações de acordo com suas características, presume que o peso pena é o mais vulnerável, e eles não disputam com o peso pesado. A parte irônica é que lá isso não é chamado de COTAS, e ninguém diz que é injusto. Mas quando você estende essa lógica à educação, as pessoas simplesmente ignoram e dizem que no nosso país sempre funcionou a meritocracia. Quando no fundo, ou até no raso isso nunca foi verdade.
Talvez seja por esse motivo que muitos se omitam. Por simplesmente não concordar e achar injusto. É por esse motivo talvez, que muitos finjam “tanto faz”, “não é comigo” por acharem as COTAS injustas. E por cinco anos nós, estudantes de Medicina nos omitimos na Universidade Federal de Rondônia. Mas isso mudou, e hoje nós lutamos. Só espero que não sozinhos.
O assunto que levamos à tona no encontro de Políticas de Igualdade Racial e à Secretaria de Promoção de Políticas da Igualdade Racial (SEPPIR) no dia 14 de Junho foi sobre suspeita de fraude no sistema de reserva de vagas na UNIR.
Sabemos que a UNIR provavelmente não é a única, porque a própria Lei 12.711 que regulamenta o sistema de COTAS exige que exista a autodeclaração (O aluno se autodeclara de determinada etnia, sendo negros divididos em pardo ou preto, além de ter a categoria de indígenas). E é isso. Ela exige a autodeclaração. Isso significa, se você se declarar de qualquer etnia, o único pré-requisito para entrar na vaga que seria de um negro ou de um indígena é a autodeclaração, um pedaço de papel em que você marca um “X” na etnia que se inscreveu.
Imaginem só se usassem a mesma lógica para se candidatar à um emprego na NASA, “Ah, sou astronauta, já tenho experiência e até visitei marte” “assine a autodeclaração e está contratado, não precisamos confirmar se realmente foi à marte, ou se é um astronauta.”
Infelizmente o atual método de verificação dá margem para burlar o processo de entrada nas COTAS, e se isso ocorre não seriam iguais concorrendo com iguais.
Para explicar melhor a situação, devo acrescentar que a UNIR aderiu ao sistema de reserva de vagas a partir do processo seletivo de 2013, tendo otimizado as vagas para 50% no processo seletivo de 2015. Então, chamou nossa atenção o fato de haver candidatos autodeclarados negros que são brancos. Candidatos que se autodeclararam índios e nunca viveram na aldeia e chamam de “tribo” quando os próprios povos indígenas acham extremamente ofensivo essa denominação.
Além disso, há o fato de autodeclararem de categorias étnicas distintas em processos seletivos diferentes na UNIR ou em outras universidades o que nos fez questionar, haveria nesses casos a autodeclaração por conveniência?
Não estamos informando que os candidatos indígenas não são indígenas, ou que todos candidatos autodeclarados negros são brancos. Mas, à luz de tantas normativas existentes estamos pedindo por um processo que verifique. O processo atual é frouxo.
Assim, a entrega do Ofício foi para garantir aos estudantes e a sociedade a transparência dos processos seletivos e assegurar o acesso daqueles indivíduos a que, de fato, destina-se a política pública de cotas. Questionamos o método adotado porque segundo o próprio MEC como a Universidade não utiliza o SiSU (Sistema de Seleção Unificada) que é o método usado pela maioria das Universidades, ela não precisa obedecer as outras cláusulas da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, e o Decreto no 7.824, de 11 de outubro de 2012, que disciplina:
§ 2o O edital poderá prever a possibilidade de realização de entrevistas e de visitas ao local de domicílio do estudante, bem como de consultas a cadastros de informações sócio-econômicas.
E o mais contraditório é que o próprio edital do Processo Seletivo 2017 prevê a verificação, que não é feita. No item 17 no Edital refere-se:
A Comissão realizará análise do perfil dos candidatos cotistas, para ingresso em cada modalidade de vagas reservadas, com base nos critérios:
– Conclusão do ensino médio integralmente em escola pública;
– Condição de baixa renda (renda menor ou igual a 1,5 salário mínimo);
– Condição de etnias (autodeclarados pretos, pardos e índios);
– PCD (Pessoa com deficiência);
– Comprovação de renda do candidato contemplado pelo critério de desempate de menor renda familiar, conforme disposto no item 12.4.1;
– Comprovação da condição de surdo do candidato contemplado pelo critério de desempate nos cursos de licenciaturas, conforme disposto no item 12.4.4;
A Comissão de Apoio a DIRCA e as SERCAS, possui autonomia na análise dos documentos comprobatórios dos candidatos cotistas.
Assim, é mais uma Instituição que infelizmente se omitiu. Recebemos a reposta da PROGRAD (Pró-reitoria de graduação) após mandarmos ofício explicando tudo isso, ao gabinete do Reitor, e a resposta que tivemos foi: “Segundo a Lei 12.711 que regulamenta o sistema de COTAS, estabelece a autodeclaração, e não autodeclaração verificada.”
Em resumo, requeremos que os indivíduos que ensejam ingresso nessa universidade pelo sistema de reserva de vagas sejam submetidos a um sistema de verificação, de heteroclassificação, nos termos descritos pelo Estatuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desejamos que o processos seletivos seja averiguados e que os estudantes já pertencentes à comunidade acadêmica também sejam objetos de análise.
Esse método de “apenas autodeclaração” é adotado por diversas Universidades, e é tão simplista, que até mesmo o Ministério de Planejamento do Governo, estabeleceu que para concursos obedeceria a normativa nº 3 de 1 de Agosto de 2016 que é uma orientação para aferir a veracidade da declaração de informações prestado por candidatos que se autodeclararam negros, sendo pretos ou pardos em concursos públicos como vemos abaixo:
Art. 1º – Estabelecer orientação para aferição da veracidade da informação prestada por candidatos negros, que se declararem pretos ou pardos, para fins do disposto no parágrafo único do art. 2º da Lei nº 12.990, de 2014.
Art. 2º – Nos editais de concurso público para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União deverão ser abordados os seguintes aspectos:
I – especificar que as informações prestadas no momento da inscrição são de inteira responsabilidade do candidato;
II – prever e detalhar os métodos de verificação da veracidade da autodeclaração, com a indicação de comissão designada para tal fim, com competência deliberativa;
III – informar em que momento, obrigatoriamente antes da homologação do resultado final do concurso público, se dará a verificação da veracidade da autodeclaração; e
IV – prever a possibilidade de recurso para candidatos não considerados pretos ou pardos após decisão da comissão.
§ 1º – As formas e critérios de verificação da veracidade da autodeclaração deverão considerar, tão somente, os aspectos fenotípicos do candidato, os quais serão verificados obrigatoriamente com a presença do candidato.
§ 2º – A comissão designada para a verificação da veracidade da autodeclaração deverá ter seus membros distribuídos por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade.
§ 3º – Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Art. 3º – Concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União em andamento, ou seja, antes da publicação da homologação do resultado final, que não tiverem a previsão da verificação da veracidade da autodeclaração, deverão ter seus editais retificados para atender ao determinado por esta Orientação Normativa.
Das 20 vagas para o sistema de reserva de vagas da UNIR, desde o processo seletivo 2015 são 13 vagas da categoria étnica (porque brancos também tem cotas, aviso aos desavisados) o que nos leva a pergunta existem 13 negros no curso? Nós escolhemos não nos omitir. E vocês, vão se omitir?
Imagem – Collins English Dictionary