O modelo padrão eurocêntrico aniquila a cultura dos oprimidos
Quando lidamos com a delicada questão da apropriação cultural – entendida como adoção de alguns elementos específicos de uma cultura por um grupo cultural diferente – é importante que tenhamos no mínimo, maturidade. Tal conteúdo vai muito além da esfera de uma pessoa com a pele branca usar tranças, turbantes ou qualquer outro tipo de acessório tradicionalmente associado à cultura negra.
Vivemos diante de um Brasil seleto, um país que apaga diariamente a sua memória, a cultura, a religião, a culinária e qualquer vestígio de adereços utilizados como meio de resistência a séculos de escravidão. Friso aqui, pessoas negras sempre fizeram uso da estética como modo de combater o racismo, aliás, por diversas vezes a própria aparência passa a ser um fator determinante para marginalização.
Com tais fatores enunciamos a problemática: a apropriação cultural existe e resiste. Faço uma ressalva, talvez o peso da expressão, seja maior diante do seu real sentido. É um problema transferido da ordem social para o campo cultural.
A indústria de moda com total apoio da mídia, banaliza os aspectos, desfaz os ideais e os diminui à sua mera utilização. As revistas colocam turbantes em atrizes brancas para estampar as capas, conversam sobre beleza, tendência e fazem um breve comentário a respeito da moda afro. Nas ruas ligam tais acessórios às religiões de matriz africana, torcem o nariz, mas na cabeça da it girl branca, a peça fica cool.”Mais uma vez o modelo europeu dita regra e ‘reconhece’ a beleza.
É fato, uma pessoa por si não é capaz de apropriar-se de todo contexto cultural e histórico de um povo, tão menos gerar um “apagão” num passado tão vivo. Porém, a discussão torna-se inflamada e bem recorrente a medida que surge daqueles capazes de influenciar tantas outras.
Foi o caso do estopim em 2015. As cantoras Miley Cyrus e Kylie Jenner, ambas brancas, usaram um penteado de dreadloks, que ocasionou grande alvoroço e um debate interminável nas redes sociais. Já em 2017, a internet se dividiu com o caso de uma jovem – em processo de tratamento contra leucemia – que utilizava um turbante para disfarçar a queda de seus cabelos quando foi abordada e repreendida por garotas negras num metrô como se estivesse se pronta para apropriar-se da cultura.“Tá vendo essa careca, isso se chama câncer, então eu uso o que eu quero! Adeus”, afirmou Thuane.
“… isso se chama câncer, então eu uso o que eu quero!”
Certamente a temática da apropriação cultural não pode ser tratada de forma individual. Ela vai muito além disso. Evitar o contato e a troca é indesejável, aliás, inviável, porém precisamos falar do modo como a cultura de grupos oprimidos é tratada.
Ninguém irá sair pelas ruas para arrancar turbante ou cortar tranças, afinal não há proibição, todo mundo pode usar, mas vale o bom senso e percepção de que está prestes a participar de um sistema que legitima o assunto racial. Alguns justificam o uso por se sentir pertencente à cultura – em virtude dos laços de parentescos – não há nada de errado nisso, mas é fácil se dizer negro enquanto lhe é conveniente.
O movimento negro em si, tem outras demandas mais emergenciais. O interesse ao citar a apropriação cultural, está em discutir o motivo pelo qual as empresas lucram tanto com a cultura negra, enquanto essa população falece. Porque cantores – brancos – enriquecem ao cantar samba, enquanto ‘poetas’ negros, natos e geniais morrem entre becos e vielas sem alcançar o mero sucesso.
O plano de fundo determinante sobre a apropriação cultural está ligado ao racismo. Não se pode desvincular os dois problemas, tão menos esquecer o peso que traduz.
A cultura ainda dominante impõe e propaga a segregação e o elitismo, dia após dia. Não há como ver – com bons olhos – a apropriação de culturas marginalizadas, aliás, quem os marginaliza é quem se apropria.
Imagem de destaque – Essence.com