Por Sara Joker para as Blogueiras Negras
Conviver em família pode nos ensinar como o preconceito é uma construção cultural que aparece no discurso de pais, mães e outros familiares, construindo “preferências” e “gostos” que de pessoais não tem nada.
Não acredito que esses familiares sejam seres humanos ruins que, de caso pensado, planejam educar crianças na base do ódio à diferença. Essas pessoas foram também criadas dessa forma e reproduzem coisas, na maioria das vezes, sem pensar no que falam.
Quando vemos essas “preferências” em famílias de negrxs entendemos como o discurso não é pensado, apenas reproduzido. Como explicar a uma mulher negra que alisa seu cabelo desde quando se conheceu por gente (há mais ou menos 80 anos) que sua neta prefere ter o cabelo alto, armado, não aceita nem passar um “creminho para abaixar”? Sim, essa é a luta mais complicada, tentar fazer pessoas boas, que não batem e não xingam, entender que certas atitudes são racistas, mesmo sem querer ser.
Uma mãe negra e evangélica, que proíbe seu filho de jogar capoeira não é x opressorx. Essa mulher é tão oprimida quanto seu filho. Ela aprendeu que a cultura de seus ancestrais é danosa. Essa mulher, além disso, alisa o cabelos de sua filha e seu próprio cabelo. Seria mais fácil trançá-lo, mas sempre ouviu que “cabelo ruim” trançado dá piolho. Estica o cabelo da menina e raspa o cabelo do menino. Ambxs crescem compreendendo que, para conseguir bons empregos, terão de não mostrar seus cabelos crespos.
Também é em casa que aprendemos que precisamos “embranquecer” nossxs filhxs. Porque casar com um negro se eu posso dar um “cabelo bom” axs futurxs filhxs. Aí criamos o típico clichê de negras que só buscam brancos. Não é maldade, nem sempre o preconceito existe em pessoas más (um conceito muito subjetivo, inclusive), às vezes absorvemos o que nos é ensinado. Quantas vezes eu fui veículo para disseminar frases e comportamentos racistas e só compreendi o que fiz agora, que milito contra o racismo. Assim como já fui veículo de ideias machistas, transfóbicas, homofóbicas, gordofóbicas e não percebi até pouco tempo atrás.
A militância vem de tentar fazer de nós mesmxs e pessoas “comuns” entenderem que coisas cotidianas podem ser demonstrações de racismo e não apenas “preferências”. Infelizmente uma mulher que “prefere seu cabelo liso” pode não estar fazendo essa escolha livre de todo o discurso racista, por mais militante que seja. Não podemos nos ofender com dicas e toques de colegas de militância, devemos repensar nossas preferências para que elas se encaixem com a nossa luta.