A cultura negra é popular, mas as pessoas negras não

“Everybody wanna be black,

but don’t nobody wanna be black”

Paul Mooney

Uma nova galera anda frequentando os shows e festas de música negra. Esse público de boné e roupas cool tem tornado o rap/hip-hop em mainstream. Se engana quem pensa que estou falando de inclusão da black music pelos brancos, estou falando de apropriação cultural, de roubo e exclusão.

Diferentes correntes da antropologia descrevem o que é e o que não é apropriação cultural, entretanto discorrer sobre essa temática sempre levanta diversas visões controvérsias. Quando penso em apropriação cultural, logo imagino o rock, o samba e o hip-hop embranquecendo. De modo geral, apropriação cultural, significa o ‘roubo’ de alguns ou todos os elementos de uma cultura por um grupo cultural diferente. Geralmente a apropriação ocorrem de uma cultura dominante sobre a minoritária. Sua intenção não é incluir, e sim excluir.

Não, o Elvis Presley não é o pai do rock, ele era o rostinho branco que o público branco queria ver. Presley foi o produto criado pela sociedade pós-guerra norte-americana da década de 50 que também queria dançar ao ritmo contagiante introduzida pelo Chuck Berry. E esta estrutura mantêm-se hoje através dos rappers Eminem e mais recente Iggy Azalea. Não que esses artistas sejam péssimos profissionais e que não podem cantar música negra, o problema é que as pessoas querem consumir a cultura negra na voz dos brancos. E isso é exclusão, isso é racismo.

Recentemente a rapper Azealia Banks criticou Iggy Azalea. O motivo: seu silêncio perante as questões raciais em Ferguson, no estado do Missouri. Muitos protestos começaram na cidade, após a decisão do júri de não indiciar o policial, e diversos artistas demonstraram solidariedade às famílias. Sobre a indiferença de Iggy, Banks tuitou: “É engraçado ver pessoas como ‘Iglu Austrália’ silenciosas quando essas coisas acontecem. A cultura negra é legal, mas os assuntos negros não são?”.

Essa lista de cantores brancos não se limita a Iggy, temos ainda Ariana Grande, Justin Bieber, Justin Timberlake, Miley Cyrus e Taylor Swift, entre outros. Nenhum, até o momento, se manifestaram sobre o genocídio dos negros norte-americanos nas mãos de policiais brancos. Contudo sei que muitos vão ressaltar que vejo racismo em tudo, mas para o espanto de quem pensa assim, eu até gosto de algumas músicas desses artistas, mas isso não as deixam imune do roubo cultural. Miley Cyrus, exemplo disso, se utiliza do negro como simples acessório em seu vídeo-clip “We can’t stop”.

E quando não é branco, eles dão um jeito de embranquecer o negro. A cantora Anitta é a prova disso.

O show do artista Criolo (~ex-doido~) também comprova a máxima de que ser preto tá na moda, afinal seus espetáculos lotam de globais. Não é à toa que seus ingressos variam de 150,00 a 200,00 reais.

O grande público ainda prefere consumir a arte negra sem a produção dos negros. Ainda prefere Miley Cyrus reproduzindo uma dança negra (e pasmem, muito dizem que ela que inventou o twerk), mas critica e acha exótica e vulgar o empoderamento de Nicki Minaj em Anaconda ou Flawless com a Beyoncé. Isso vem da ideia da superioridade intelectual branca. Coisa que não existe. A cultura não tem dono como muitos teóricos ressaltam, entretanto marginalizar o negro e tornar  a sua arte em mercadoria com uma roupagem branca é exclusão. Aliás, ainda valendo para os tempos de hoje: “Não há capitalismo sem racismo.” – Malcolm X .

Imagem destacada: Reprodução web

13 comments
  1. Eu sou branca e faço das suas palavras as minhas, existe uma apropriação gigantesca na cultura negra ! Sim , todo o legado cultural dos negros podem ser apropriados, e são, hoje em dia grande parte dos movimentos musicais no brasil e no mundo tem uma raiz negra, o que dói é ver a sociedade que tanto usufrui dessa essência discriminar e excluir o valor do negro. Chega dessa hipocrisia, o racismo existe sim e só existe um jeito de acabar com ele, falando dele!! Metade das pessoas que comentaram ai nem se quer passaram perto de entender a problemática tratada.

  2. A globalização realmente existe, mas existe como diria Milton Santos, de maneira perversa. A globalização, sendo coordenada pelo sistema capitalista tem esmagado culturas e limites em busca de uma uniformização cultural. A globalização não promove unidade e sim hierarquização.
    Realmente, nem sempre ” um material inicialmente criado em outra cultura está se “apropriando” negativamente da mesma,”, mas, quando as relações entre os povos são como se deram a relação entre o povo negro e povo branco no Brasil e nos EUA é o que provavelmente vai acontecer.

  3. Errata: Onde se lê “A cultura não tem dono como muitos teóricos ressaltam” o correto é:

    “Para muitos teóricos a cultura não tem dono, entretanto marginalizar o negro e tornar a sua arte em mercadoria com uma roupagem branca é exclusão…”

  4. sim muitos cantores brancos não se questionaram sobre isso. Mais uma sim o nome dela é Lauren Jauregui integrante da girlband Fifth Harmony ela criticou o “sistema de lá”. e ela defende muito a Normani Kordei que é uma negra que sofre racismo de algumas contas anônimas no twitter

  5. E Selma ainda é realidade. Sempre foi. Acabo de rever no cinema do Pátio Paulista. E assim como no cinema do Villa Lobos, sem cartaz. E quem sabe desse filme? E por que a/o Americana/o não se orgulha desse patriotismo? Brasileiras e brasileiros então? Por que Selma não corre nos cinemas como aquele lixo de Sniper Americano?
    Essa vida sabe ser boa. Mas sabe ser triste também.

  6. Aline! Eu entendi tudo o que vc quis dizer, mas na sua opinião, se esses artistas querem ter o direito de cantar músicas negras, como eles poderiam estar fazendo isso SEM fazer essa apropriação cultural?

  7. Há controvérsias! desde achar/supor que Iggy Azalea eh ótima profissional até cobrar um posicionamento político de Justn Bieber (risos). À contramão de roubo cultural, a contradição esta no próprio texto, afinal a cultura é de todos! Porém há uma verdade essencial: a de embranquecimento da cultura musical negra. Se por um lado expande ao mundo e a torna universal uma musica ou um estilo negro, oq é afinal é ótimo, por outro, existe sim o embranquecimento e exclusão do próprio negro de sua cultura, como meio de torná-lo mais aceitável, menos periférico. Não temos que combater isso com ódio, mas sendo razoáveis, sensatos e sempre, pondo os pingos os i’s! Nóis

  8. Você falou de empoderamento de Nicki Minaj, que esbanja saúde, beleza, talento que me remete a um período anterior de minha, em que eu pensava que ser leitora fiel da Revista Veja, seria seguramente um status e li pela 1° vez sobre a Beyoncè. Quanto ranço naquele texto! O jornalista deve ter levado horas, driblando as palavras para não entregar o sua indignação; como uma negra tinha a coragem de querer ser mais do que alguém que faz parte de um coro gospel. E ainda loira? Absurdo! E Beyoncè ali, brilhando na foto que ilustrava a matéria… Em nenhum momento ele usou palavras como bonita, bela, mas sim falou do corpo dela como se fosse partes de um garrote… Há muito tempo que não sigo mais essas cabeças limitadas. Os artistas e fãs têm que estar mais atentos com os genéricos que tentam nos empurrar goela abaixo.

  9. E a cultura indígena, cultura espanhola, cultura asiática, etc. Nem sempre a palavra apropriação pode ser utilizada dessa forma. Entendo o seu ponto e defendo ele até o fim… Quando ele realmente acontece.

    Nós negros temos que entender que a globalização existe, as culturas se conectam e que nem sempre um artista que produz um material inicialmente criado em outra cultura está se “apropriando” negativamente da mesma, isso acontece na minoria dos casos. Um verdadeiro artista é maior que isso. E vai além.

    Essa divisão, essa polarização que o ser humano cria é péssima, dividir o que é negro e o que é branco, o que é hétero e o que é gay, entre outras divisões, chega a ser cruel em uma sociedade tão diversa. Somos todos humanos, somos todos iguais. Essa deveria ser a mensagem.

    Todos devem ter a liberdade de expressar e de apreciar o que gostam. Respeitando a diversidade.

    Quando se trata de arte a questão é muito mais complexa que isso é nosso, isso é de vocês. É muito maior, vai muito além. Analisar com uma visão tão pequena é prejudicial.

    Ataques furiosos, nunca são positivos. Ninguém é dono da razão.

    Enfim, continuemos na luta, para que o racismo acabe.

    Não há paz até haver respeito e liberdade plena!

    Beijos.

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Diametralmente oposto a esse padrão aceitável se encontra, por lógica, o corpo negro. O corpo negro, seus traços, sua genética, seu fenótipo e a infantil tentativa de negar a construção social que tem o gosto. Somos, todos nós – negrxs e brancxs – expostos desde crianças a propagandas, programas infantis, desenhos, revistinhas em que predomina um padrão de beleza europeu. “Gosto não se discute” porque a mídia já deliberou sobre ele por nós, apresentou-o e nós, como o esperado, compramos não só o gosto mas também o slogan. Continuemos sorrindo!